Não é novo o tema que "A Idade Dourada" traz. O atrito provocado conforme poder e dinheiro mudam de mãos entre os ricos cuja fortuna vem de família antiga e aqueles que a obtiveram com o próprio esforço, esperteza ou sorte já foi explorado em incontáveis ângulos, de "O Grande Gatsby" a "Rainha da Sucata".
O que torna especial esta série da HBO Max que estreou no fim de janeiro é quem a assina, Julian Fellowes.
O roteirista contemplado com o Oscar em 2002 por "Assassinato em Gosford Park", de Robert Altman, e com uma longa lista de prêmios pela série "Downton Abbey" —no ar entre 2010 e 2016— não trai seu público: estão ali as intrigas, as aspirações de ascensão, ou de se reconquistar um antigo status, as barreiras sociais entre empregados e patrões, a heroína orgulhosa e pragmática e, claro, cenários e figurinos estupendos.
Mudou, contudo, o sotaque: a nobreza inglesa que povoou outras obras de Fellowes dá lugar à elite nova-iorquina do final do século 19, quando o boom industrial e ferroviário mudava o país e, sobretudo, a cidade que viria a habitar fantasias mundo afora como símbolo da possibilidade de ascensão social.
Sim, à maneira que a mansão de Downton era viva em cena, é difícil assistir à "A Idade Dourada" sem se deslumbrar com uma Nova York fervilhante e voraz que, em não poucos momentos, ofusca os personagens. E olha que o elenco arregimentado por Fellowes é impecável.
O conflito aristocracia versus novos ricos aqui ganha a forma dos Russell, uma família que enriqueceu com ferrovias, e as irmãs Brooks —a sonhadora Ada, papel de Cynthia Nixon, que nunca se casou, e a amarga Agnes, vivida por Christine Baranski, cujo casamento lhe rendeu o sobrenome Van Rhijn, uma pequena fortuna e traumas diversos.
Os dois núcleos moram frente a frente em palacetes na Quinta Avenida, com um recém-inaugurado Central Park logo ali. Se as duas irmãs veem seu poder e conforto definhar, a família Russell, capitaneada por Bertha —vivida por Carrie Coon, de "The Leftovers", possivelmente em seu melhor papel— e George —encarnado por Morgan Spektor— anseia por status social. E haja festas e bajulações para consegui-los.
Mas, como é Nova York e não a Inglaterra, somos levados a crer que tudo é possível, e as novas gerações terão menos preconceitos. Ou preconceitos diferentes, talvez.
A chegada de Marian —papel da novata Louisa Brooks— para viver com as tias após o pai morrer e deixá-la na miséria dá a chance de abrir todas essas portas. Ela traz, por exemplo, Peggy Scott, uma jovem negra aspirante a jornalista que logo consegue um emprego como secretária de Agnes e desperta o racismo da criadagem nortista.
A série ainda está em seu quarto episódio —serão nove, com estreia a cada segunda, à moda antiga— e acaba de ter a segunda temporada garantida. É pouco para um veredicto, mas já dá para dizer que Fellowes não perdeu a mão.
'A Idade Dourada' está na HBO Max, com novos episódios às segundas
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