Luciana Coelho

Secretária-assistente de Redação, foi editora do Núcleo de Cidades, correspondente em Nova York, Genebra e Washington e editora de Mundo.

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Descrição de chapéu Maratona series

'Inventando Anna' mostra golpista russa farreando às custas da elite de Nova York

Série da Netflix é expedição pela vaidade de uma certa classe artística e social que se refugia numa casa de espelhos

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Em um jantar com amigos, Anna Delvey recebeu uma conta de US$ 36 mil. Em outra ocasião, seus impulsos consumiram em poucos dias mais de US$ 400 mil em bolsas, vestidos, passagens aéreas e outros automimos. As estadias em hotel custavam por mês valores entre cinco e seis dígitos. E teve o empréstimo de US$ 40 milhões que ela pediu a um banco para pôr em pé uma instituição de fomento à arte que fosse também clube noturno para ricos.

Ela nunca pagou nenhuma dessas despesas.

Entre calotes em amigos e em empresas, a garota de 20 e poucos anos que se apresentava como herdeira de uma fortuna alemã viveu, por anos, a rotina da classe AAA: voou em jatinhos, frequentou festas e eventos com orçamento maior que o PIB de algumas cidades, morou em hotéis e conviveu com gente cujo sobrenome é o cartão de visitas.

A história é real, virou reportagem da revista New York em 2018 e estreia nesta sexta como minissérie da Netflix pelas mãos infalíveis da showrunner Shonda Rhimes, "Inventando Anna". O que não é real é"... Anna.

Nascida Anna Sorokin na Rússia em 1991, o ano em que a União Soviética implodiu, ela ressurgiu nos EUA em 2013 com o sobrenome Delvey, um sotaque intrigante, ambição irrefreável e um bocado de talento para estar nos lugares certos com as pessoas certas.

A fraude durou até 2017 e culminou em condenação por apropriação indébita, em 2019, a quatro anos de prisão. Em dezembro, a impostora foi solta sob fiança, e logo detida porque o visto de permanência nos EUA expirou.

Quem contou a história de Anna primeiro foi a repórter Jessica Pressler, cujo interesse em golpistas que habitam o microcosmo de mi(bi)lionários nova-iorquinos já fora capturado em 2019 com o filme "As Golpistas", estrelado por Jennifer Lopez.

"Inventando Anna" é um tiro maior. Pelo direito de contar nas telas a história que Pressler costurou brilhantemente, a Netflix pagou a Anna Sorokin US$ 320 mil, segundo veículos de imprensa americanos que obtiveram o contrato controverso.

A impostora ganhou nas telas o rosto e a voz de Julia Garner, que já acumula dois Emmy de coadjuvante pelo papel de Ruth em "Ozark". Ruth, aliás, não é tão diferente de Anna: uma trambiqueira com inteligência excepcional e um misto de cara de pau e coragem capaz de tirá-la, no papo, de situações tenebrosas.

E como Anna, Garner é um ímã, uma força da natureza. O sotaque construído de maneira impecável e o misto de soberba e frustração com que ela compõe a personagem foram estudados com a própria Sorokin, quando a herdeira fake estava na prisão, e são capazes de tornar críveis uma história absurda.
É ao seu redor que a série gravita, apesar da tentativa de dar à repórter —aqui chamada Vivian e interpretada por Anna Chlunsky, de "Veep"— o lugar de condutora.

Jornalistas raramente rendem bons personagens, e sua função acaba sendo a de explicar ao espectador, por meio da apuração para a reportagem, como tanta gente instruída caiu na lábia da falsária. Mas as razões da protagonista permanecem um mistério bem resguardado para uma provável autobiografia.

O que a história de Anna escancara é a sede das pessoas —mesmo as muito ricas— de ganhar montanhas de dinheiro com o próximo grande lance da tecnologia, da cultura ou do mercado. A série é como uma expedição pela vaidade e o senso de pertencimento de uma certa classe artística e social que se refugia numa casa de espelhos onde apenas os iguais interessam.

A opção por uma edição cheia de zooms frenéticos e a trilha baladeira deixam essa experiência por vezes enjoativa, embora felizmente não a ponto de estragá-la.

Sim, glamorizar criminosos é questionável, e no caso de Sorokin arrisca ser um estímulo para ela retomar os hábitos. O sucesso recente de "O Golpista do Tinder", a aposta em "Inventando Anna" e a expectativa por "The Dropout", sobre a estelionatária tech Elizabeth Holmes, mostram que o público adora uma enganação devidamente embalada.

Os nove episódios de 'Inventando Anna' chegam à Netflix nesta sexta (11)

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