Luciana Coelho

Secretária-assistente de Redação, foi editora do Núcleo de Cidades, correspondente em Nova York, Genebra e Washington e editora de Mundo.

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Luciana Coelho
Descrição de chapéu Maratona

'Anos Incríveis' com família negra tem ternura original sem ignorar racismo

A evocação do passado não cabe só ao tema, como também a do formato, com um ritmo mais comedido

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Para quem entrou na adolescência assistindo a Kevin Arnold experimentar os percalços dessa fase em um subúrbio americano da virada para os anos 1970, a ideia de um novo "Anos Incríveis" instila medo e curiosidade. Refilmagens são terreno pantanoso, tanto mais se cutucam a nostalgia.

Mas se é esse o combo de sentimentos definidor desse período da vida, que melhor razão haveria para conferir a releitura desse clássico exibido nos anos 1990?

Só não espere por Kevin. Fred Savage, o ator que deu vida ao menino de sorriso doce e ironia sutil que compartilhava seus dilemas, foi para o outro lado da câmera, como produtor e diretor de alguns episódios.

Na "Anos Incríveis" de 2022, o protagonista é Dean Williams (Elisha Williams, excelente), igualmente cativante e um tanto mais seguro de si.

Cena de série mostra família em sala de estar retrô
Dulé Hill, Saycon Sengbloh, Laura Kariuki e Elisha Williams em cena da série 'Anos Incríveis', reboot da produção dos anos 1980 com uma família negra como protagonismo - Divulgação

Ele também vive em 1968, tem uma família de classe média coesa, amigos memoráveis e é apaixonado pela melhor amiga. Mas o 1968 de Dean não é o mesmo de Kevin: Dean é negro e vive no Alabama, um dos últimos estados americanos a acabar com a segregação racial, e um dos lugares onde essa marca persiste.

A tentativa de atualização, que podia dar muito errado (ver "Sex and the City"), funcionou. Para isso, nem o registro da série foi alterado nem a questão racial foi esmaecida.

"Anos Incríveis" ainda navega pela trilha dos afetos e fala sobre amadurecimento, porém o faz sem deixar de levar em conta que nostalgia, para pessoas negras, não vem sem a lembrança de um passado de direitos civis mais acossados.

A série mostra os Williams como uma família de classe média comum, ligeiramente afluente, com pais que têm diploma universitário (os de Kevin não pareciam ter), empregos estáveis (ele professor de música e instrumentista; ela analista do Tesouro estadual) e grandes aspirações para os três filhos: o primogênito Bruce, que combate na Guerra do Vietnã, a politizada Kim e o nerd Dean.

Não é uma família sofrida, tampouco cabe nos estereótipos que Djamila Ribeiro bem descreveu em coluna recente nesta Folha. Ainda assim, o racismo lhes atravessa a rotina diariamente, e isso não é omitido do espectador. O primeiro episódio, situado no dia do assassinato de Martin Luther King, é uma joia de sutileza.

Entretanto, embora a candura da série (às vezes excessiva, como era na original) ceda espaço a uma e outra observação ácidas, estas nunca são objetivamente políticas.

A evocação do passado aqui não cabe só ao tema, como também a do formato, com um ritmo mais comedido e edição sutil tão raros hoje.

Fãs do original vão se identificar com o Dean adulto que narra os episódios, uma interpretação magistral de Don Cheadle (de "Hotel Ruanda").

A ver se a nova versão apelará a uma nova geração de adolescentes. Estamos hoje mais distantes do ano em que a série estreou, 1988, do que 1988 estava do 1968 de Kevin.

Os 13 primeiros episódios da temporada inicial de "Anos Incríveis" estão disponíveis na Disney+

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