Citada incessantemente como metáfora destes tempos estranhos ao longo de quatro temporadas, "O Conto da Aia" retornou neste quinto ano menos alegórica, mais realista e nem por isso sem sua incrível capacidade de angustiar.
Com parte grande da ação transposta para o Canadá, os fantasmas só parecem mais humanos e, por isso, mais assustadores. A cada nova leva de episódios, afinal, a ficção imaginada por Margaret Atwood e levada para as telas por Bruce Miller converge mais e mais com o noticiário (vide iranianas queimando hijabs na semana que passou).
E June, a heroína —no sentido literário, de passar pela principal jornada de transformação da história—, está longe de ser impoluta como são tantos mocinhos e mocinhas.
Suas provações são bem concretas, sua raiva tem consequências sinistras e sua vingança não é só uma ideia. É uma extrapolação do que o pessoal costuma chamar, ironicamente, de "ódio do bem" —porque seu alvo é considerado legítimo por muitos, estaria okay pular etapas e trocar a Justiça e os meios convencionais pelo justiçamento.
A interpretação de Elisabeth Moss, praticamente um nervo exposto em cena, produz uma personagem arrebatadora.
O sofrimento de June é tão brutal que o espectador afunda com ela até se ver acuado pelos mesmos dilemas. Matar não é solução, e a epifania tardia custa à personagem a decepção de seu séquito.
Inconformadas com o fato de a vingança prometida se limitar ao algoz da líder, as aias fugidas cobram
da protagonista a continuidade do extermínio em Gilead.
Cenário de quase a integralidade das demais temporadas, o país fundado por radicais religiosos é apresentado agora muito mais como uma ideia do que como um lugar.
A primeira mostra disso é a cena em que uma das mentoras da partição e do sistema de exploração sexual de Gilead, Serena Joy (a estupenda Yvonne Strahovski), descobre ter apoiadores —e não poucos— no liberal Canadá.
Viúva, seus poderes de oratória, persuasão e manipulação política não encontram mais o limitador que era Fred (Joseph Fiennes), cujas inteligência e ambição foram sempre menores que as da mulher.
A segunda prova está na própria June, que como nas tragédias gregas não consegue fugir do destino, e talvez nem o queira. A questão da expiação, expressa no mote desta temporada ("alguns pecados não há como purificar"), se mostra forte na hesitação da personagem com a vida nova.
Resta ver qual papel a série guarda para Tia Lídia, uma das vilãs mais nefastas da dramaturgia recente, agora ressentida com seus mestres.
A capitã das vigilantes morais de Gilead estará na derivação da série, "Os Testamentos", inspirada na sequência literária publicada por Atwood em 2019 e localizada 15 anos após os acontecimentos do livro original. Antes, porém, as mulheres atravessarão mais uma temporada, a sexta, confirmada pelos produtores da série ao lançarem a atual.
A expectativa, a menos que algum produtor surja com uma ideia mirabolante, é ser a derradeira.
‘O Conto da Aia’ tem episódios novos a cada domingo no Paramount+; "Os Testamentos" foi publicado no Brasil pela Rocco
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