Luciano Magalhães Melo

Médico neurologista, escreve sobre o cérebro, seus comandos, seus dilemas e as doenças que o afetam.

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Luciano Magalhães Melo

O que cartões do psicólogo Rorschach me disseram sobre a política brasileira

A interpretação dos borrões de tinta é usada para estudos de personalidade

Qual seria a razão para nós humanos conseguirmos ver rostos em nuvens, animais em rochas?

O psiquiatra Rorschach deve ter se feito essa pergunta e tentou compreender essa faceta humana. Foi assim que desenhou as famosas manchas de tinta borradas em cartões. Garantiu que seus desenhos não teriam sentido e nem representariam coisas reais. Meticulosamente, passou a estudar as reações humanas frente às imagens. Depois de alguns anos, os cartões de Rorschach passaram a ser utilizados para acessar personalidade

Homem vestido de Rorschach, personagem da graphic novel "Watchmen"
Homem vestido de Rorschach, personagem da graphic novel "Watchmen" - Fred Greaves/Reuters

Compreender como essas manchas amorfas têm essa utilidade é desafiador. Tais figuras estimulam nossa visão, sem ter mensagem proposital. Mas mesmo assim somos capazes de reconhecer algo nelas. Esse significado concedido às imagens é projetado do interior do observador, e deriva mais de quem vê do que daquilo que se vê. Por isso, revelariam a personalidade.

No entanto, existe um padrão para que a interpretação dos cartões de Rorschach não seja tão individual assim. As formas simétricas fazem a maioria das pessoas pensar em seres vivos. Ora, seres vivos são simétricos. Identificar precocemente simetria como marco de vida pode ter sido vantajoso para que nossos antepassados reconhecessem intuitivamente animais a serem evitados ou procurados.

Por sua vez, contraste de cor e sombreamento podem gerar a ilusão de óptica de percepção de movimento que as pessoas dizem ver nos cartões. Pois bem, nosso cérebro tende a ver significado em tudo.

Curioso com isso tudo, procurei uma psicoterapeuta experiente em Rorschach. Para minha frustração, ela disse que a eleição ainda influencia muito meu ânimo, e por isso não conseguiria acessar minha personalidade, como seria o propósito.

Mas ela conseguiu algo: em uma das figuras, eu via o 89 se misturar com o 18.

Ou seja, meu inconsciente viu semelhança entre as eleições de 2018 e a de 1989. Em 89, Collor despontava como o moralizador (opa!) contra Lula (Haddad já era Lula nesta época?). O futuro mostrou que quem votou em Lula, por pensar que Collor seria péssimo, acertou. E quem votou em Collor, por desconfiar de Lula, regozijou-se em Cid Gomes: “Babaca, Lula está preso”. Melhor aguardar para ver se as semelhanças param por aí.

Em outra figura vi açoites. A psicóloga explicou: eu ficara impressionado com o esforço de Haddad em manter a postura de professor fofo ao não explicar em entrevista para a GloboNews sobre a cumplicidade PT-Venezuela, que açoita os direitos humanos. Mas disse também que eu poderia ter imaginado uma sala de tortura chefiada por Ustra, explicitamente defendido pelo vencedor de 2018. Ou ainda de Stalin, relativizado pela vice de Haddad. Ah, esses psicólogos...

Outra figura me fez enxergar grades e uma plateia do lado de fora. A terapeuta me lembrou que “um garoto” havia falado que um soldado e um cabo bastariam para fechar nossa Suprema Corte. Pareceu às sombras de minha mente que essa “pérola” teve a finalidade premeditada de analisar as reações da plateia, incluindo eventual apoio. Mas a terapeuta levantou outra teoria: as grades poderiam ser uma prisão, e eu a pensar no caos institucional que seria ter Haddad eleito sobre a batuta de um condenado por corrupção.
 
A última imagem que eu vi: quatro figuras humanas próximas, sobre uma multidão. Pessoas à direita e à esquerda despencavam às margens. Ela me explicou: pode ser uma referência aos quatro cavaleiros do apocalipse. Ou os brasileiros a perceberem que os Três Poderes mais o Ministério Público devem ser seus servidores em equilíbrio independente. E que populistas não trarão solução, e o extremismo deve ser detido.

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