Luciano Magalhães Melo

Médico neurologista, escreve sobre o cérebro, seus comandos, seus dilemas e as doenças que o afetam.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Luciano Magalhães Melo

Poderemos nos livrar da depressão em um só ato?

Spray nasal surge como nova solução, mas ainda não é um milagre

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

O alívio imediato contra a depressão poderá acontecer? Será possível fazer a melancolia e a vontade suicida desaparecerem em um estalo?

A história da terapia antidepressiva foi fundada na década de 1950 quando, acidentalmente, observou-se melhora do humor dos pacientes que recebiam as drogas isoniazida e iproniazida, contra tuberculose . O acaso continuou a operar, e depois foi a vez da imipramina, medicamento fabricado para controlar a esquizofrenia, revelar bons efeitos no humor.

Esse foi o nascimento dos primeiros antidepressivos e da teoria de que a depressão seria a consequência da redução dos neurotransmissores adrenalina e serotonina, pois já se sabia que a então nova classe de remédios aumentava os níveis destas moléculas.

Na década de 1980, outro capítulo se iniciou com o lançamento do Prozac, cujo princípio ativo é a fluoxetina. Droga que se mostrou eficaz contra a depressão e com menos efeitos colaterais do que os antigos antidepressivos, o Prozac aumenta apenas a serotonina, o que provocou modificação na teoria bioquímica da gênese da depressão. Com a adrenalina redimida, o dolo da depressão sobrou para a redução da serotonina. O Prozac foi um sucesso enorme, mas, depois de seu lançamento, nenhuma grande novidade no tratamento antidepressivo surgiu.

Alguns problemas, portanto, continuam sem solução. A ação benéfica dos antidepressivos demora dias para acontecer. Logo, se houver alto risco de suicídio, ele persistirá por esses penosos dias. E mais: alguns pacientes com depressão não melhoram com nenhuma das terapias disponíveis. Tudo isso acontece porque a baixa quantia de serotonina é insuficiente para explicar tudo o que é da depressão.

A esketamina, droga recentemente aprovada pela agência de fármacos e alimentos dos Estados Unidos (FDA), surge como resposta farmacológica a esses problemas. Só que essa novidade não é tão original assim, já que a escetamina deriva da cetamina, anestésico conhecido já na longínqua década de 60.

Novo tratamento para depressão aprovado nos EUA é um composto chamado "esketamine", um spray nasal desenvolvido pela Janssen Pharmaceuticals, subsidiária do grupo Johnson & Johnson, e comercializado sob a marca Spravato
Novo tratamento para depressão aprovado nos EUA é um composto chamado "esketamine", um spray nasal desenvolvido pela Janssen Pharmaceuticals, subsidiária do grupo Johnson & Johnson, e comercializado sob a marca Spravato - Divulgação

A cetamina produz um peculiar estado chamado de anestesia dissociativa. Dissociativa quer dizer perda de integração entre processos mentais, como consciência, memória e percepções. Na anestesia dissociativa, os pacientes permanecem acordados e com reflexos preservados, mas incapazes de sentir dor. No entanto, a cetamina pode causar delírios e alucinações, indesejáveis em anestesia, e não raramente outras formas de dissociação, como a despersonalização compreendida como sensação de estar fora do próprio corpo.

Por causas dessas ações não ortodoxas, essa droga passou a ser usada de forma recreativa e ilícita, mas o efeito dissociativo parece se correlacionar com outra propriedade benéfica desse anestésico: a rápida ação antidepressiva e a redução aguda de ideação suicida.

Isso ocorre talvez pela sua ação nas vias neurais do neurotransmissor glutamato, que age mais rápido do que a serotonina. Pesquisas com poucos pacientes demonstraram a eficiência da cetamina. Esses estudos  não são suficientes para que a FDA aprove a cetamina como antidepressivo, mas deram suporte teórico para a proliferação de clínicas nos EUA especializadas em infusão de cetamina para combater alguns casos de depressão.

Pesquisas mais robustas vieram, mas só para a esketamina, por isso sua aprovação pelo FDA como antidepressivo. Administrada em borrifadas nasais, ela promete o tratamento rápido de graves sintomas depressivos e também o fim das clinicas de infusão de cetamina. O Spravato, nome comercial deste spray, chega ao mercado com custo mensal de até US$ 6.800, muito mais caro do que a cetamina.

Mas não é só o preço que impede o Spravato de ser um milagre. Sua bula anuncia isso ao afirmar que o medicamento pode sedar e causar problemas com atenção e raciocínio. Também alerta para chances de uso abusivo e, paradoxalmente, para risco de pensamentos suicidas. Ou seja, o combate a depressão continua desafiador.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.