Luciano Magalhães Melo

Médico neurologista, escreve sobre o cérebro, seus comandos, seus dilemas e as doenças que o afetam.

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Luciano Magalhães Melo

Estaria o futuro da neurologia entre luzes e fezes?

Manipulação da atividade cerebral e de micro-organismos do intestino podem ser terapias futuras

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Talvez, no futuro, a ciência ilumine literalmente os cérebros humanos. Para isso acontecer, é necessário provocar uma bem-sucedida mutação em um grupo de neurônios cerebrais. Assim estas células terão uma proteína fotossensível em suas membranas de superfície. Por fim, uma cirurgia levará fibras ópticas cérebro adentro, para que luz chegue até essas proteínas. Quando iluminadas, essas macromoléculas ativarão os neurônios em que estão acopladas, como se fossem um interruptor de células cerebrais. Essa técnica, aliás, chamada de optogenética, já se faz presente, ainda que apenas em experimentos com animais. 

Ligar ou desligar redes de neurônios através da optogenética permitirá a manipulação da atividade cerebral. Algo descomunal, pois tudo o que é produzido pelo cérebro, é fruto da ação dessas redes.

Mas infelizmente várias doenças estragam a versão final desse produto. Por exemplo, os desejos incontroláveis dos viciados, as repetições ritualísticas provocadas pelo transtorno compulsivo obsessivo, as convulsões das epilepsias e os tremores excessivos são traduções de mau funcionamento de redes cerebrais. Todos passíveis de serem modulados precisamente pela optogenética.

Imagem fluorescente do hipocampo de um camundongo; a região é associada à formação de memória
Imagem fluorescente do hipocampo de um camundongo; a região é associada à formação de memória - NIH

As terapias luminosas estão em consonância com o que esperamos dos vindouros avanços tecnológicos. Como ficção científica a se concretizar. Mas, talvez em dias que virão, a medicina revisite eras medievais, época em que se buscava saúde observando fezes.

Hoje, sem as superstições antigas, novos conceitos adubam a velha ideia de que nos excrementos existem terapias escondidas. Um prático protótipo do que pode surgir, aconteceu no Canadá, após o inesperado resultado de um transplante de fezes

Antes de explicar porque tal surpresa, satisfarei duas oportunas perguntas: o que é transplante de fezes e para que serve?

Ora, o nome já diz tudo: injetar o produto final da digestão de uma pessoa saudável no tubo entérico de um doente. Este procedimento foi desenvolvido para acabar com certas infecções intestinais quando tratamentos ortodoxos falham. A cura surge pois junto às fezes vão populações equilibradas de microrganismos fecais que tomam o lugar da bactéria infectante. Por isso uma mulher no Canadá recebeu este escatológico tratamento.

Mas ela sofria também de esclerose múltipla, doença autoimune incurável que lesiona o cérebro e frequentemente provoca invalidez. O inesperado foi que a esclerose múltipla ficou em silêncio desde a permuta de cocô, por dez anos de observação.

Os responsáveis pelo caso acreditam que a interação entre micróbios intestinais e defesas imunológicas, quando desarmônica, possa ser um dos fatores para que a esclerose múltipla se manifeste. O transplante teria restabelecido a harmonia e assim provocado a inusitada remissão.

Mas parece que não só as doenças autoimunes têm no intestino um de seus gatilhos. Ao que se evidencia, algumas condições neurodegenerativas também têm relação com o aparelho digestório, especialmente a doença de Parkinson.

Compilações clínicas apontam que esta enfermidade frequentemente tem a obstipação crônica como manifestação inicial. Sintoma que, em anos, pode anteceder os característicos tremores.

Isso fortalece uma hipótese de que a afecção se inicia nos tubos entéricos e tardiamente chega ao cérebro. Cientistas acreditam que alteração na composição dos microrganismos intestinais possa fazer dos intestinos berçário para a doença de Parkinson.

Hipócrates, o pai da medicina, afirmou que toda doença começa no intestino. Mais de dois mil anos se passaram após a criação desse aforisma para que pesquisas sobre o eixo cérebro-intestino apontem futuras fontes terapêuticas.

Mas, frequentemente, em ciências o entusiasmo inicial não se sustenta, esfriado definitivamente por estudos subsequentes. Talvez o FDA, até tenha firmado o ocaso do transplante de fezes ao ordenar a interrupção temporária deste procedimento após algumas complicações fatais.

Sendo assim, a esperança migraria apenas para a optogenética?

Agradeço ao meu professor Antônio Atilio Laudanna, por me ter dado alguns alertas uteis para a construção deste texto. 

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