Luciano Magalhães Melo

Médico neurologista, escreve sobre o cérebro, seus comandos, seus dilemas e as doenças que o afetam.

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Luciano Magalhães Melo

Armas sonoras cubanas contra a embaixada americana, um novo capítulo?

Conceituada revista científica publicou pesquisa sobre o tema que vem sendo questionada

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Sons podem ser utilizados como armas? Este assunto ascendeu em 2016 quando servidores americanos locados em Havana, Cuba, foram expostos a um som incomum. Concomitantemente, eles passaram a sentir diferentes combinações de sintomas como: vista embaçada, insônia, cefaleia, desatenção, esquecimentos, desequilíbrios e tontura. 

Em 2017, médicos dos casos formaram um consenso preliminar, publicado no Jornal da Academia de Medicina Americana (Jama): o espectro de quadros clínicos se assemelha ao que surge após concussões cerebrais, e seria fruto de uma fonte não natural.

Os autores, no entanto, não encerraram o assunto e declararam que futuras avaliações seriam necessárias para uma conclusão definitiva. Para aumentar as controvérsias, cientistas da universidade de Berkeley analisaram gravações dos sons perturbadores, e fizeram a hipótese que grilos seriam a origem do barulho. Logo os sons eram inofensivos e os médicos deveriam continuar em busca de causas para tantas manifestações. 

Escultura em forma de orelha
Escultura em forma de orelha - Rahel Patrasso/Xinhua

As “futuras avaliações” surgiram num artigo em recente edição do Jama, em que foram publicados dados sobre comparações de ressonância de crânio dos servidores com os de pessoas semelhantes demograficamente. A conclusão foi que estão reduzidos o volume cerebral, cerebelar, as conectividades auditivas e visuais; naqueles expostos aos sons incomuns. 

Então, os americanos foram de fato atacados por alguma arma secreta? Ondas sonoras violentas provocam mesmo danos que pequenos traumatismos cerebrais?

Talvez, ponderaram cautelosamente os autores. E novamente registraram que “futuras avaliações” continuam necessárias para resolver o inquietante assunto.  

Mas estas cautelas não impediram pesadas críticas aos estudos publicados pelo Jama. O ex-diretor do laboratório de pesquisa da força aérea americana, James Jauchem acredita ser improvável existir um dispositivo capaz de emitir som em alta intensidade, adequado para se tornar uma arma não letal. Sons audíveis ensurdeceriam muito antes de lesar o cérebro. 

Ondas sonoras na frequência de ultrassons são até utilizados pela neurologia para destruir regiões encefálicas que causam tremores. Mas isso só é possível se a fonte sonora estiver muito próxima à área cerebral a ser atacada. Em espaços abertos, ultrassons maléficos seriam refletidos pelo ar e perderiam seu potencial danificador. Infrassons teoricamente até poderiam ser utilizados como armas, desde que emitidos por amplificadores e alto-falantes enormes, algo impraticável.  

Para piorar a credibilidade dos autores, experts consideraram as avaliações clínicas presentes nos textos do Jama incompletas e inadequadamente padronizadas. Portanto, susceptíveis a interpretações meramente subjetivas. Métodos descuidados assim, dificultam a aceitação da existência de sequela cerebral causada por armas sonoras.

No mais, os sintomas referidos podem surgir em diversos contextos clínicos, como depressão, ansiedade e alguns tipos de vertigens. E alguns dos sintomas podem ressoar entre pessoas, como se transmitidos.  

Explico melhor: não é infrequente alguém, plenamente saudável, achar que está muito doente logo depois de saber que algum próximo recebeu o diagnóstico de uma doença terrível. Em conjuntos sociais coesos, durante acontecimentos não usuais, estas desconfianças podem gerar um ciclo.

Assim, a histeria de um amplifica a do outro e permitem que surja a doença psicogênica de massa. Os afetados acreditam estar doentes e como doentes se portam. Seria esta uma plausível explicação para o fenômeno cubano. 

A analogia à concussão também soa pretensiosa. Como sons de fontes distantes danificariam o cérebro, como fazem os traumatismos cranianos? Os achados de ressonância nem se assemelham ao que se vê em vítimas de traumas crânio-encefálicos. Por tudo isto alguns cientistas dizem que o único mistério da saga cubana é como a Jama, aceitou publicar dados tão inconsistentes. 

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