Em uma conversa casual, um amigo do meu amigo lançou sua opinião sem preocupação contextual: “o sucesso de um país depende de como é composto seu mosaico religioso”.

A despeito desta intervenção, a prosa seguiu por apenas assuntos mundanos. Mas o amigo de meu amigo insistia garimpando brechas para retomar ao seu tema. Seu último aparte aconteceu em tom professoral: “Os ritos de uma religião são superstições para os que não a seguem”. Ele se esqueceu de que, por vezes, rituais religiosos inspiram até aqueles sem fé. 

Religiões são assim, convertem muitos, mas por vezes são consideradas devaneios.

Talvez o contemporâneo conceito de “ser espiritualizado sem ser religioso” represente uma resposta de nossos tempos para essa dicotomia, já que em seu significado se subentende uma justificativa favorável a crença no sobrenatural, com as devidas desconsiderações aos dogmas religiosos. Esta é uma nova tendência mística, e há quem tente fundamentá-la ao mesclar o metafísico com conceitos científicos distorcidos. Obviamente, isto não é empecilho para que tal tendência se porte como promissora seita atraindo muitos devotos. 

Aos não religiosos que transcendem espiritualizados e que gostam de teorizar sobre suas práticas, compreender o "default mode network" trará requinte científico em eventuais tentativas de ratificar a crença. Mas se você for fiel a alguma religião tradicional, ou um ateu, importe-se também com o "default mode network", pois o "default mode network" é você. Ou melhor, é um dos vocês que habitam sua cabeça. É a voz interior que fala em sua mente. Antes de eu continuar, peço perdão pelo meu anglicismo, mas “rede do modo padrão” soa mal.

Quando você não está ocupado, neurônios de regiões cerebrais específicas, conectados em rede, produzem uma série de pensamentos aleatórios. Essa rede é o "default mode network", que faz seu raciocínio vagar constantemente, do seu passado as suas suposições sobre o futuro. Por isso você consegue planejar seus próximos dias tendo suas experiências antigas como guias. Esta é rede neural que seu cérebro ativa quando avalia as suas emoções, atitudes e reflexões sobre a própria vida. Todos nós usamos o "default mode network" quando estamos em introspecção, construindo nossas referências pessoais necessárias para que tenhamos empatia.

Entretanto, o cérebro tem outros deveres, como aprender, resolver problemas e elaborar reações aos acontecimentos. Para essas funções, o encéfalo desliga o introspectivo "default mode network" e liga outras redes neurais reativas. O engajamento a essas atribuições pode ser tão grande que é possível alguém esquecer literalmente de si, caso contrário o "default mode network" faz que pensamentos fortuitos invadam a mente e corrompam a necessária concentração. 

O problema é que nem tudo o que o "default mode network" traz é um buquê de rosas, pois também é a parte de você responsável pelo pensamento ruminativo, aquele que vai e volta em sua mente o tempo inteiro —a ideia fixa, por vezes má fundamentada.

Para os que estão deprimidos, essa ruminação é um grande problema, afinal mantém o conteúdo mental constante em torno da melancolia, culpa e autodepreciação. Se a situação do deprimido se agrava, ele terá dificuldade em desligar seu "default mode network", um obstáculo para se desprender da tristeza e se afetar por um estímulo saudável.

Não é apenas na depressão que o "default mode network" traz problemas. As conjecturas constantes e ansiosas sobre o futuro são outros frutos indesejáveis. Quer mais um exemplo? Lembre-se do monotemático amigo do meu amigo, encarcerado a um pensamento produzido pela constância dessa rede neural. Logo, atenuar por momentos a atividade desta conexão de neurônios é importante, algo que cultos religiosos e a meditação induzem a acontecer muito bem, por isso proporcionam alívio e a renovação mental.

Não vejo como impossível, portanto, que o "default mode network" seja tema de quem um dia pregar pelo espiritualizado sem ser religioso.