Luciano Magalhães Melo

Médico neurologista, escreve sobre o cérebro, seus comandos, seus dilemas e as doenças que o afetam.

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Descrição de chapéu Coronavírus

O medo em época de pandemia e soluções para enfrentá-lo

Uma dose saudável de medo pode ser exatamente o que precisamos durante crises, incluindo a atual

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O medo é transmissível. Influências sociais desempenham um papel poderoso na regulação desse sentimento. Aprendemos a temer ou a ignorar ameaças, não importam se reais ou supostas. Identificamos o pavor pelo olhar e pela voz de quem teme. Através das expressões avaliamos até mesmo qual é a intensidade do temor de quem analisamos. E, ao testemunharmos alguém em pânico, poderemos passar a temer ainda mais a ameaça que desencadeou toda aquela reação. Esse fenômeno tem nome, chama-se “aprendizagem social do medo”.

No entanto, existem outras formas de influenciar como o outro reage ao perigo. O medo pode ser minimizado ou até mesmo extinto quando se enfrenta uma ameaça sob a tutela de outra pessoa. Esses fenômenos também são nomeados “amortecimento social do medo” ou “imunização ao medo”. Ambos podem ter um impacto negativo, pois eventualmente reduzem substancialmente a cautela necessária contra riscos. Vale notar que, quando a interação parte de alguém de prestígio ou de um hábil em enfrentar perigos, essa ascendência tem poder maior.

Uma dose saudável de medo pode ser exatamente o que precisamos durante crises, incluindo a atual. Não seria adequado o pânico, que pode se alastrar como um vírus fomentado por notícias mentirosas reverberadas em grupos. Comportamentos irracionais até já acontecem, como os de quem insultam pessoas de origem asiáticas, ou dos quem agridem profissionais da saúde. Por sua vez, o desdém de autoridades frente à tragédia iminente, usualmente transborda e encharca seguidores fiéis, que adotarão condutas que só piorarão o cenário.

Mas o medo não é somente fruto de uma força social, ele está logo ali em resposta a uma ameaça iminente. A monotonia do isolamento transforma as paredes que nos cercam em lembretes do risco que corremos: perder a saúde, velar um querido, sofrer as consequências de uma recessão severa.

Um estudo recente publicado no importante periódico médico The Lancet identificou outras causas para o sofrimento psicológico na quarentena como: duração das restrições, frustração e tédio, carência de suprimentos e de informações.

Todos esses fatores favorecem ruminação de pensamentos pessimistas. Assim, o estado mental é atormentado por sentimentos como incerteza, angústia e desespero. Isso pode ser notoriamente grave em pessoas que já sofriam de distúrbios psíquicos antes da epidemia. Para esses vulneráveis há elevação do risco de ansiedade, obsessões e agressividade. Essa pode ser uma das explicações do aumento de violência doméstica durante a quarentena.

A mesma publicação do The Lancet aponta algumas medidas organizacionais para se mitigar o efeito da quarentena. São complexas. A primeira delas é fazer que a quarentena dure o que deva durar, sem exageros. Aumento em sua extensão, por menor que seja, incrementa a frustração.

A segunda medida: encaminhe às pessoas a melhor informação, precisa e clara. Difundir a razão da quarentena é ação prioritária.

Terceira: não permitir a falta de suplementos nas casas de quem está isolado.

Quarta: reduzir o tédio e melhorar a comunicação. Nesta época, o celular se firma como necessidade, não um luxo. Comunique-se com amigos e com entes queridos. É recomendável a criação de suporte psicológico remoto e até mesmo de grupos de apoio.

Quinta: dê atenção aos profissionais da saúde. Existe uma sobrecarga de trabalho inevitável. E quando o profissional de saúde interrompe seu trabalho para ficar em quarentena corre o risco de estigmas. Aliás, estigmas acontecem e afetam quem se recuperou da infecção.

Sexta: favoreça o altruísmo e não a compulsão. Reforce o conceito de que quarentena ajuda a manter outras pessoas seguras, sobretudo os mais susceptíveis.

A quarentena trará sequelas. Porém os impactos de uma grave doença que se alastra sem restrições serão muito piores.

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