A antes energética idosa passou a caminhar pesadamente. Em conjunto, sofria para engolir, com muitos engasgos. Ao ficar de pé, empalidecia e desabava. Ao solo, não conseguia se levantar sem auxílio de outra pessoa. Tudo começara há poucos meses e piorara lentamente. Foi levada pelos filhos ao pronto-socorro após uma piora abrupta, com febre e tosse. Sob medidas emergenciais passou a respirar com auxílio de aparelhos e foi encaminhada para a UTI.
Os filhos transmitiam informações divergentes à equipe que atendia a senhora. Para um deles, a mãe, deprimida, descuidara-se da alimentação e, por isso, adoecera. Para o outro, o sedentarismo somado à mania de pegar friagem a enfraquecera.
Um dos especialistas em terapia intensiva disse que ela seria a 16º internada por Sars-CoV-2, naquele hospital. Contudo, a tomografia torácica e os sintomas iniciais não eram típicos da doença. Não importava, ele garantia o diagnóstico. Afinal lera em alguma revista médica que, em algum lugar do mundo, alguém com quadro clínico semelhante teve a doença pandêmica.
Outro intensivista retrucava de forma elegante: a fraqueza era por uma anemia e não havia nada mais do que uma pneumonia vulgar. Os exames diagnósticos para Covid-19 vieram negativos. Para o primeiro médico eram todos falso-negativos. Além do mais a anemia não era nada grave para tanta fraqueza. Ambos profissionais estavam satisfeitos com cada uma de suas explicações.
O cérebro humano ao enfrentar a dúvida utiliza duas maneiras de processar informações para encontrar a solução. Uma delas julga rapidamente os dados e escolhe em qual confiar. Faz isso, geralmente, em acordo a alguma regra “na palma da mão”, a considerar as experiências pregressas e o contexto.
Quando enfrentamos questões difíceis, frequentemente não temos todos os dados à disposição. Para essas circunstâncias o julgamento intuitivo é adequado por ser prático, economizar energia e tempo. Porém é permissivo para que ignoraremos certas análises e assim pode nos levar ao erro.
A outra estratégia é o julgamento normativo. Neste modo, o cérebro avalia as informações independentemente e em conjunto, atribui pesos diferentes aos dados e depois os integra para a resposta final. O pensamento normativo é analítico e metódico, a forma de raciocinar heurística é associativa e automática.
Os dois modos de solucionar problemas não atuam de forma completamente excludentes, já que algumas regiões cerebrais atuam em ambos processos. No entanto, há diferenças marcantes: o pensamento intuitivo utiliza áreas cerebrais envolvidas no prazer, enquanto o normativo se firma preferencialmente em áreas frontais, implicadas na razão. Uma outra diferença: quem preferencialmente usa a forma normativa tende a ter melhor memória de curto prazo.
Um terceiro médico decidiu ser normativo. Percebeu que não possuía todas os elementos necessários para compreender o caso. Resolveu buscá-los através de uma longa conversa com os filhos. A medida permitiu ao clínico compreender como sucederam os sintomas da senhora e a desprezar dados fúteis. Assim, desconfiou de que havia uma doença neurológica e chamou um neurologista para auxiliá-lo.
O neurologista teve sorte, examinou a paciente em uma situação melhor e já com uma história melhor contada. À primeira vista, notou que a mulher estava com as pálpebras caídas. Foi a chave que o fez intuir sobre o diagnóstico —haveria uma doença que causava fraqueza até nas pálpebras. A perda de força ocorria até mesmo para engolir. A senhora mal possuía força para apertar as mãos de quem a examinava. Ao ficar de pé, a pressão arterial caia, o que causava palidez e quase a fez desmaiar. O que trouxera a piora clínica e a conseguinte internação na UTI foi uma pneumonia comum.
O diagnóstico era síndrome de Eaton-Lambert. Doença em que o nervo não consegue ativar o músculo, por isso a fraqueza generalizada. Por vezes afeta também a regulação da pressão arterial, também mediada por nervos.
Conhecer a doença melhora seu enfrentamento.
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