Luciano Magalhães Melo

Médico neurologista, escreve sobre o cérebro, seus comandos, seus dilemas e as doenças que o afetam.

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Luciano Magalhães Melo

O pensamento estoico e o cérebro resiliente

Situações estressantes causam reações que preparam nosso corpo e mente para a luta ou fuga

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Imagine que você foi obrigado a falar para um grande público, mas não teve o tempo necessário para preparar sua apresentação. Seus batimentos cardíacos e respiração ficarão mais rápidos, suas mãos suarão. Entretanto, pouco antes de seu discurso, ainda se sentindo acelerado, você é informado de que o evento foi adiado. Se você voltar rapidamente para a calma, é porque é resiliente.

A palavra resiliência surgiu para descrever uma específica propriedade de materiais. O produto é considerado resiliente se continuar intacto após estar sobre efeito de carga e ainda ter energia acumulada. Com o tempo, ganhou mais um significado, que descreve a capacidade de humanos em superar a adversidade e continuar forte. Resiliência, então, passou a descrever nossa habilidade para superar perdas, dificuldades ou lutas sem que percamos a normalidade psíquica e física.

Machado de Assis, portanto, é um grande exemplo resiliente. Neto de escravos, conseguiu transpor obstáculos para se torna o maior escritor brasileiro. Outro mestre da resiliência foi o músico Beethoven, que mesmo surdo conseguia compor obras-primas.

No passado, pensava-se que essas pessoas transpuseram três grandes barreiras e se tornaram tão inspiradoras por possuírem super-cérebros, invulneráveis. Entretanto, admitir que existe o humano invulnerável é desconsiderar toda a filosofia e toda a História. Portanto, resiliência e não a invencibilidade nos descreve melhor.

Claro, a resiliência não gera apenas feitos históricos. Pelo contrário, é posta à prova em situações frequentes e comuns a todos. Desde falar em público, mas também ao vivenciar o luto, estar inserido em crises nacionais ou locais e ao combater. Resilientes, durante estas circunstâncias, sofrerão menos e por tempo menor.

Situações estressantes causam várias reações que preparam nosso corpo e mente para a luta ou fuga. Preparar-se rapidamente para um confronto pode salvar; reconhecer hostilidade rapidamente e antever ameaças, idem. Porém, frequentemente, o que nos ameaça é uma crise de desenvolvimento complexo. Em ocasiões assim, raciocinar sobre o que está adiante e evitar ações intempestivas pode ser a melhor saída.

Saber lidar com os sentimentos é determinante para a resiliência. Uma habilidade psíquica, reconhecida como flexibilidade emocional, está fortemente correlacionada a essa peculiaridade, pois encerra nossa capacidade em aplicar os recursos emocionais quando necessário, e os conservar para outra ocasião, quando não houver mais demanda. Dessa forma, a flexibilidade emocional equilibra a excitação emocional com o desempenho cognitivo.

O que atribui pesos diferentes para a razão e para os sentimentos é o neurotransmissor noradrenalina. Essa molécula nos faz alertas, atentos e capazes de julgar. Porém, se estiver em níveis elevados, desliga todas essas funções e nos prepara para sermos extremos: lutar ou fugir. Portanto, a resiliência depende do volume de noradrenalina liberada no cérebro. Outro ponto: áreas cerebrais que provocam desconfortos psíquicos são mais seletivamente ativadas em pessoas resilientes. Isso indica que estas pessoas não se deixam incomodar por qualquer estímulo.

O cérebro é órgão central da nossa adaptação para o sempre mutável ambiente. Esse órgão regula nossas respostas, que eventualmente podem nos prejudicar. A resiliência evita que nos lesemos e que também não daremos de ombros às dificuldades. Pelo contrário, nos faz enfrentar para superar. Se não for possível, nos guia para a adaptação. O destino expresso em genes diz quem terá essa característica operacional. Porém, a infância protegida, a boa educação e suporte emocional a favorecem.

Os ensinamentos da filosofia estoica remetem a resiliência, pois o estoicismo ensina que não podemos controlar as sucessões de acontecimentos ao nosso redor e que não evitaremos as emoções relacionadas aos fatos. Mas podemos refletir sobre as emoções, suas causas e considerar as melhores reações.

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