Luciano Magalhães Melo

Médico neurologista, escreve sobre o cérebro, seus comandos, seus dilemas e as doenças que o afetam.

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Luciano Magalhães Melo

Pílulas para cérebros melhores, a neurologia cosmética

Mesmo com promessas antigas, uso de drogas para melhorar desempenho não foi adiante

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Entender como certas moléculas atuam em nossos cérebros é útil para a descoberta de medicamentos. Porém, toda esta ciência possibilita outras ambições, para fora dos limites marcados pelo combate às doenças.

Tenha a oxitocina, como exemplo, hormônio utilizado como remédio por autistas para aumentar a empatia, motivação e, portanto, a sociabilização. Essas funções são mantidas quando a oxitocina é aplicada em pessoas normais. Dessa forma, essa molécula pode melhorar a vida de pessoas sadias.

Imagine que beleza seria se um análogo dessa substância fosse borrifado continuamente em uma hipotética sala de reuniões. Local em que antagonistas se encontram para discutir os rumos de uma loja ou de uma nação. Sob o efeito da aspersão, os discordantes compreenderão melhor pontos de vistas diferentes. As divergências não serão necessariamente percebidas como ataques pessoais. Por fim, os participantes do grupo se envolveriam em enfrentar os problemas abordados, ao invés de procrastinar ou de sabotar ideias alheias.

Não gostou do exemplo, pois sabe ser impossível melhorar suas reuniões? Delas surgem apenas péssimas recordações? Saiba que se não pode aprimorá-las, lhe resta a possibilidade de se recordar delas com menos desânimo.

Moléculas específicas influenciam como as experiências, até mesmo as piores, são fixadas em nossas mentes. Uma delas é o propranolol, remédio muito utilizado para controle de arritmias, hipertensão arterial e enxaquecas. Essa droga reduz a influência de emoções como medo e angústia na consolidação das memórias. Sentimentos intensos ofuscam a recordação precisa de detalhes, além de estabilizarem lembranças traumáticas. Assim, o propranolol, quando utilizado em tempo próximo a um evento drástico, facilita rememoração mais fidedigna e emocionalmente neutra. Interessante para reduzir cicatrizes psicológicas, para a obtenção de testemunhos criminais mais precisos e para reduzir seu desgosto ao se lembrar de seus encontros corporativos.

A droga que torna o trabalho mais produtivo ou a que clarifica as memórias fazem a ideia central da neurologia cosmética: o uso de medicamentos sem o propósito terapêutico, mas direcionado ao fortalecimento de funções cerebrais normais.

Eu tive o primeiro contato com esse termo no início da década passada ao ler um artigo assinado por Anjan Chatterjee, professor de neurologia da Universidade da Pensilvânia, em linhas extravagantes, futuristas a prever um iminente futuro, brilhante e polêmico.

Cérebro em meio a pílulas e comprimidos
Drogas Inteligentes - Victor Moussa/stock.adobe.com

Havia naquela época uma incipiente esperança depositada em medicações recém-lançadas para combater a deficiência de memória causada pela doença de Alzheimer, sem, no entanto, bloquear a degeneração. Chatterjee profetizava: pessoas saudáveis em breve usariam essas drogas e, como mágica, recordariam melhor. Sim, seria uma solução para a sua péssima memória, querido leitor, ao menos essa era a insinuação de Chatterjee.

As esperanças não ficavam apenas por aí. Certa pílula há pouco tempo lançada para combater a sonolência doentia teria mais uma utilidade, o aumento da concentração, sem acrescer efeitos colaterais —nova promessa para aumentar a eficiência humana. Por sua vez, os antidepressivos modernos melhorariam humor e afeto, mesmo em não deprimidos.

Dezesseis anos se passaram desde as “profecias” de Chatterjee. Como quase todo profeta, ele se enganou.

Algumas das substâncias que emergiam até se firmaram como opções de tratamento, entretanto, várias delas provaram apenas efeitos modestos. No mais, as ações da oxitocina são efêmeras e é quase inviável administrar propranolol para quem acabou de sobreviver a uma tragédia. As reuniões mudaram, mas por causa do programa Zoom. Não obstante, moléculas utilizadas para aumentar atenção ou elevar vigília, estão aí desde quando o homem começou a consumir cafeína ou mascar folha de coca.

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