Luciano Magalhães Melo

Médico neurologista, escreve sobre o cérebro, seus comandos, seus dilemas e as doenças que o afetam.

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Luciano Magalhães Melo

Preste atenção à sua atenção e ao déficit de atenção

Cerca da metade das crianças com TDAH carregarão este problema quando adultos, apontam estudos

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William James, filósofo e pioneiro do ensino da psicologia nos Estados Unidos, há 130 anos, deu a nós uma bela síntese: "atenção é tomar a posse pela mente, de um entre muitos objetos ou linha de pensamentos, simultaneamente possíveis". A moderna neurociência visita William James, quando conceitua: "atenção é a priorização seletiva das representações neurais daquilo que for mais relevante para nossos objetivos". A priorização é necessária pois o cérebro humano possui uma capacidade limitada de processar as informações.

A forma como experienciamos o mundo é um produto desta seleção. Consequentemente, alguém com atenção anormal terá também a experiência de viver anormal, que emergirá ao lado de sintomas de muitas doenças mentais. Pacientes deprimidos mantêm-se atentos às informações negativas e se fixam em suas recordações melancólicas. Autistas não se atêm aos olhares de seus interlocutores. Quando assistem a cenas de filmes, com intensas interações entre os personagens, concentram-se em aspectos sem importância do cenário, e não às faces dos atores. Esquizofrênicos consideram detalhes sem conexão para compor o enredo do delírio. De tal modo, uma lâmpada piscante na rua é um "óbvio" sinal codificado por alguma força inteligente, avisando sobre uma tragédia iminente.

Criança assiste a aula no computador - Aleksandra Suzi - stock.adobe.co

Há uma condição clínica cuja atenção disfuncional não é um aspecto entre outros, mas a característica fundamental, por isso lhe dá o nome. Trata-se do transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), antes considerado um distúrbio exclusivo da infância, que desapareceria durante o amadurecimento. Contudo, estudos apontam que cerca da metade das crianças com TDAH carregarão este problema quando adultos.

Como consequência, viverão perdendo as chaves de casa, a carteira, óculos ou quaisquer objetos importantes. Terão pensamentos múltiplos aleatórios que interferirão em raciocínios lógicos, sofrerão dificuldades em terminar trabalhos no prazo, enfrentarão divagações que vão afastá-los das tarefas, esquecerão compromissos, se inquietarão quando deveriam silenciarem-se. Serão classificados como tagarelas, desorganizados, impacientes, descuidados e desleixados.

Estes são os sintomas suspeitos quando se pensa em TDAH, mas há outros tantos, também indiscretos, mas ainda negligenciados. A escrita feia, desleixada, pode ser fruto da desatenção ao traçado. O comportamento jocoso, enquanto se requisita o contrário, pode ser resultado de incapacidade em perceber o rigor do ambiente. O atraso em reagir a um novo evento inesperado pode ser uma dificuldade em acompanhar os efeitos das mudanças. O discurso prolixo, digressivo, pode ter a origem na inabilidade de organizar as ideias.

A atenção é uma atividade cognitiva dinâmica e deve ser assim. O foco em torno da situação presente pode deixar de ser o mais adequado, tão logo aconteça alguma interferência ambiental. Ou quando outra atividade mental, como planejamento, recordação, sentimentos e sensações, apontam uma nova prioridade. A mente, mesmo quando concentrada em algo, vagueia momentaneamente para avaliar as eventuais novidades, que podem ser desconsideradas ou aceitas. Para que este movimento psíquico seja harmônico, é necessário um controle cerebral adequado. Mas a harmonia frequentemente cede a bagunça, quando há o TDAH.

Há algumas considerações sépticas em relação ao TDAH em adultos. O diagnóstico requer lembranças da infância, que podem não ser acuradas. O TDAH é frequentemente considerado como uma invenção, para se desculpar por fracassos, cujas razões seriam outras como indolência, imaturidade e indisciplina. Além destes fatores, outras condições médicas, como depressão e distúrbios do sono, podem produzir sintomas semelhantes.

A despeito destas controvérsias, há de fato adultos que são impulsivos, desatentos e inquietos, tendo estas manifestações como reminiscências do distúrbio infantil persistente. Estes adultos sofrem as consequências destes desajustes, com fracassos no trabalho e na vida social, autoestima baixa, depressão e ansiedade.


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