Luciano Magalhães Melo

Médico neurologista, escreve sobre o cérebro, seus comandos, seus dilemas e as doenças que o afetam.

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Luciano Magalhães Melo
Descrição de chapéu Mente

A divagação da mente, o fluxo dos erros e a criatividade

A chave do sucesso e da felicidade seria o controle voluntário da mente, o fim dos devaneios?

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Nossa mente vagueia entre passado e futuro, imaginando o que poderia ter sido, antecipando acontecimentos que muito provavelmente nunca ocorrerão, além de elaborar fantasiosas narrações. O padrão mental é criar pensamentos aleatórios, espontaneamente, à parte do que fazemos e das circunstâncias presentes.

Alguns exemplos são típicos em doenças mentais, como as ruminações melancólicas, características da depressão; as obsessões, identidade do transtorno obsessivo compulsivo; o sonhar acordado, comuns aos que têm transtorno de déficit de atenção. Em pessoas livres destas enfermidades, as consequências dos raciocínios intrusos podem ser mínimas, nem perturbam o propósito. Ou não....

Às vezes, flagramos nossa mente distante, por um tempo surpreendentemente longo. Resignados ou inconformados, não evitaremos esta repetição. A procrastinação e a impulsividade, causas frequentes de frustração e desgosto, são consequências dessa falha cognitiva, a incompetência em conectar o pensamento à ação contemporânea. Um fracasso do autocontrole.

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Mesmo mais brandamente, a divergência entre o pensar e o agir gera tristeza. Algumas tradições filosóficas e religiosas ensinam que a felicidade reside no presente, desta forma, seus adeptos são incentivados a reconhecer as divagações mentais e concentrarem-se no aqui e agora. Essas práticas sugerem que uma mente errante é uma mente infeliz. Mas este princípio é verdadeiro e pode ser testado objetivamente?

Questões complicadas como estas são um convite à divagação. Felizmente, alguns curiosos e persistentes foram à obra, especificamente em 2010, na Faculdade de Psicologia da Universidade Harvard. Estes insistentes, ou melhor, pesquisadores, enviaram perguntas, várias vezes e ao acaso, aos celulares de 2.250 voluntários. O mote era descobrir o que faziam, se o que estavam pensando era pertinente ao momento e como se sentiam. As conclusões obtidas deste clássico estudo: os participantes estavam menos felizes quando a mente vagueava, não importa se a atividade era agradável ou desagradável, tampouco se o pensamento transcorria sobre tópicos prazerosos ou não. A divagação da mente era a causa da tristeza, e não sua mera consequência.

Então, a chave do sucesso e da felicidade é o controle voluntário da mente, o fim dos devaneios? Desiludo o meu esperançoso leitor, não é possível alcançar este objetivo.

Os pensamentos errantes ocupam muito do nosso tempo, por serem um aspecto normal da condição humana, um notável efeito da evolução que nos possibilita aprender, raciocinar, planejar e formatar a metacognição. A viagem mental de eventos passados às possibilidades futuras nos ajuda a integrar experiências e a antecipar consequências. Sem falar que estas divagações ajudam a enfrentar a chatice de tarefas monótonas, já que adicionam alguns intervalos reparadores.

A experiência humana da consciência é fluída, raramente restringe-se a um único tópico por um período extenso, sem desvios. Sua natureza é dinâmica. Alguns raciocínios que surgem durante o divagar da mente tendem a orbitar algumas pendências pregressas e podem trazer momentos "Eureca", que talvez não seriam alcançados durante a exaustiva busca por uma solução.

Impasses mentais acontecem, e por vezes a concentração humana se desvia do obstáculo. A razão, então, automaticamente se envolve com outra atividade, cuidando de temas aleatórios. O problema fica incubado, submerso a nossa consciência. O que acontece durante o período de incubação é um mistério, não sabemos aquilo que se passa em subsolo cerebral. Mas em meio à diversidade de pensamentos erráticos, uma solução pode ser encontrada.

Imerso em pensamentos e sentimentos, alguém pode perder-se em devaneios. Porém, as simulações mentais podem revelar aspectos da realidade. A diversidade dos pensamentos fortuitos, e não o foco em uma ideia repetitiva, é uma determinante da criatividade.

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