Luís Francisco Carvalho Filho

Advogado criminal, é autor de "Newton" e "Nada mais foi dito nem perguntado"

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Luís Francisco Carvalho Filho

O corrupto e o assassino

Matar é mais grave do que pagar ou receber propina; as punições devem refletir isso

O princípio da proporcionalidade no Direito Penal também está na linha de tiro.

Para o Ministério Público Federal no Paraná, réu por crime de corrupção deve ser condenado a 30 anos de reclusão: o parâmetro deve ser a pena do homicídio “porque a corrupção de valores altos mata”.

O extravagante raciocínio leva em conta a probabilidade sempre remota de investigação e punição, o elevado prejuízo, a perspectiva da progressão de regime, do indulto, da prescrição, os recursos e os regulamentos jurídicos. O Judiciário não pode ser “tímido”, a corrupção é delito de “alto risco”, a população quer mais severidade.

Mas matar alguém é mais grave do que pagar, prometer, solicitar ou receber propina. Nem figurativamente o desvio de recursos públicos se compara ao assassinato. A vida é o bem supremo para religiões e filosofias, constituições e governos.

A advertência formulada por Cesare  Beccaria (1738-1794) tem sentido utilitário. Se pena igual for cominada para dois delitos que desigualmente ofendem a sociedade, o homem inclinado ao crime não encontrará “nenhum obstáculo mais forte para cometer o delito maior”. Em outras palavras, se o corrupto já tem punição máxima, nada tem a perder. O homicídio (de investigador ou testemunha, por exemplo) passaria a fazer parte de suas cogitações —se isso, é claro, ajudá-lo a fugir.

Se a corrupção mata, esperteza corporativa mata também. Desde que a liminar do STF generalizou o benefício em 2014, o gasto do país (União e Estados) com auxílio-moradia para juízes e membros do Ministério Público, além de outras carreiras jurídicas especializadas em equiparações, é estimado em mais de R$ 5 bilhões. É menos que as perdas estimadas da corrupção, mas não é pouco dinheiro.

Conforme o método Dallagnol de matemática política, R$ 5 bilhões em cédulas de R$ 10 formariam pilhas equivalentes a 100 prédios de 100 andares. Com R$ 5 bilhões seriam construídos 1.392 escolas ou 181 hospitais.

O princípio da proporcionalidade das penas é valor que se renova. Reduziu drasticamente a incidência da pena de morte no Ocidente, despenalizou condutas como o adultério e o aborto em alguns países, permitiu a suspensão condicional de processos e assegurou a aplicação de penas alternativas, como a prestação de serviços à comunidade.

A tragédia carcerária dispensa comentários. É caro construir e administrar presídios. Tem gente presa que não precisaria estar. 

Não faz sentido o encarceramento de jovens primários ou não perigosos (por roubo, furto, tráfico de drogas, não importa) e arruinar o seu futuro. Outro tipo de desperdício. A reclusão se justifica pela falta de outra medida eficaz e justa para a contenção do delinquente que, em liberdade, representa um perigo.

Há crimes gravíssimos e revoltantes, como a corrupção de altos e pequenos valores e os crimes do colarinho branco, para os quais a penitenciária parece inútil. A reclusão residencial, o confisco do dinheiro, as interdições políticas e profissionais, os bloqueios e as perdas de patrimônio (sem falar das inevitáveis e demolidoras consequências do escândalo jornalístico) são suficientes. É a certeza da punição que desestimula o crime. Punir é sobretudo inteligência. Pelo menos deveria ser.

lfcarvalhofilho@uol.com.br

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