Luís Francisco Carvalho Filho

Advogado criminal, é autor de "Newton" e "Nada mais foi dito nem perguntado"

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Luís Francisco Carvalho Filho
Descrição de chapéu

A capa do processo

Comemoração da desgraça de Lula é expressão constrangedora da liberdade de pensamento

Lula acena de janela do Sindicato dos Metalúrgicos, em São Bernardo do Campo, na Grande SP, após decreto de prisão
Lula acena de janela do Sindicato dos Metalúrgicos, em São Bernardo do Campo, na Grande SP, após decreto de prisão - Nelson Antoine - 06.abr.2018/ AP Photo

Os ministros do Supremo Tribunal Federal insistem: o que está em jogo não é Lula, e sim o princípio constitucional da prisão em segunda instância. O alinhamento dos 11 ministros, involuntário ou inevitável, faz desaparecer do recinto do tribunal o seu nome e a sua reputação política.

A ficha cairia horas depois. Tratava-se, sim, de Luiz Inácio Lula da Silva, ex-presidente do Brasil, o mais popular de todos. O processo tem capa: o juiz Sérgio Moro, rápido, expede o mandado de prisão.

O paciente não precisa de algemas, ganha 24 horas para se apresentar e cela (sala) reservada para a proteção da sua integridade física e moral. O magistrado invoca uma espécie de nobreza punitiva que generais executam em filmes de guerra e que também costumava pautar, nos antigos regimes, a ação de carrascos atentos à qualidade de quem sobe ao patíbulo. Adiciona simbologia ao enredo burocrático e judicial.

É ruim prender Lula. É ruim deixar Lula em liberdade, pairando acima da lei. É casuísmo prender Lula porque a maioria do STF é frágil, efêmera. É casuísmo mudar a jurisprudência para socorrer Lula, candidato a presidente. É hora de prender. Não é hora de prender. Um livre pensador encontrará lógica e argumento respeitável nas duas direções. 

Mais sóbrios e sem as farpas costumeiras, enfrentam-se, de novo, os ministros Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso —bipolaridade que promete se intensificar na próxima década.

Gilmar muda de posição e lidera a tentativa da revisão jurisprudencial que beneficiaria Lula e outros políticos ameaçados de punição. PSDB e Michel Temer já estão na mira do Ministério Público Federal. Barroso profere o voto didático e moralmente comprometido com a correção do país “feio e desonesto”.

Invariavelmente destemido, Gilmar solta o verbo contra a escalada autoritária da Lava Jato, o escracho petista, o corporativismo (auxílio-moradia, férias em dobro, calendário, equiparações), a miséria carcerária e a “mídia opressiva”.

Professoral, Barroso vitamina as sentenças do Paraná e milita contra homicidas e corruptos impunes: ladrões, traficantes e suspeitos pobres são presos antes da segunda instância. Diz que o julgamento só afeta os ricos e acusa a advocacia, sua profissão anterior, de operar pela impunidade.

Para Barroso, sempre atento ao ruído da plateia, o juiz deve decidir conforme “o sentimento social filtrado pela razão”. A plateia, registre-se, destila ódio e intolerância contra Gilmar Mendes e tantos outros. 
Um é vítima de bullying e mergulha na impopularidade. O outro, almeja simpatia lavando a alma das pessoas de bem. Um é contrapeso do outro.

O mal-estar cresce. A violência urbana é desmedida. A economia patina. Juízes e, agora, militares falam demais. A comemoração da desgraça pessoal de Lula é expressão constrangedora da liberdade de pensamento. A prisão do ex-presidente atinge a autoestima de eleitores e oponentes.

Vai prevalecer a narrativa do herói injustiçado, condenado sem provas, ou a narrativa da autoridade implacável contra a corrupção sistêmica? 

Sem espaço aparente para diálogo ou para a construção de uma pauta positiva mínima, capaz de aglutinar esforços de renovação à direita e à esquerda, a imprevisibilidade política é total.

lfcarvalhofilho@uol.com.br

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