Luís Francisco Carvalho Filho

Advogado criminal, é autor de "Newton" e "Nada mais foi dito nem perguntado"

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Luís Francisco Carvalho Filho

A Constituição de 88

Apesar de defeitos, exageros e do desprezo crônico, a Carta sobrevive

Além da Copa do Mundo, é tempo de celebrar os 30 anos da Constituição do Brasil —o coroamento do cauteloso processo de transição da ditadura para a democracia.

O deputado federal Ulysses Guimarães, presidente da Assembleia Constituinte, apresenta o livro da Constituição de 1988 ao plenário da Câmara dos Deputados, em Brasília (DF) - Lula Marques - 03.mar.1988/Folhapress

Ambígua, mais programática do que eficaz, marcada pela generosidade em direitos e garantias, pelo irrealismo fiscal, pelo corporativismo e pela xenofobia, o texto se modificou ao longo do tempo. Sem contar a revisão de 1994, são 99 emendas constitucionais.

Só no período FHC (1995-2002) o Congresso aprovou 35 emendas, entre elas a que instituiu em seu benefício a reeleição (o que minaria sua credibilidade política) e as que remodelaram o regramento econômico.

Jazidas, recursos naturais e potenciais de energia elétrica mudam de mãos: da "empresa brasileira de capital nacional" para "empresa constituída sob as leis brasileiras" com gerência e sede no país.

Embarcações estrangeiras são autorizadas a "transporte de mercadoria na cabotagem" e "navegação interior". As telecomunicações são privatizadas. A União passa a contratar empresas para pesquisa e lavra das jazidas de petróleo. Universidades têm autorização para admitir professores e cientistas estrangeiros.

Em 1999, o juiz classista, símbolo perfeito do peleguismo getulista, é eliminado da Justiça do Trabalho.

O Congresso é menos reformista na época Lula (2003-10). São 28 emendas. Há alterações nos sistemas financeiro e tributário. Em 2004, muda o Judiciário com a criação do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e da súmula vinculante. O Brasil se submete à jurisdição do Tribunal Penal Internacional.

Derrota política de Lula, a emenda constitucional para prorrogar a CPMF, criada por FHC, seria rejeitada em 2007.

No período Dilma (2011-16) foram 24 emendas, entre elas a que amplia direitos trabalhistas de empregados domésticos, a que expropria imóveis usados na exploração de trabalho escravo e a que altera para 75 anos a idade para aposentadoria compulsória do servidor público.

Na gestão de Temer oito emendas foram aprovadas, como a do teto para gastos públicos e a que autoriza práticas "desportivas" com animais.

A Constituição foi testada 22 dias após a promulgação, em 5 de outubro de 1988. O Tribunal Superior Eleitoral concedeu mandado de segurança para a Folha anulando a instrução que proibia pesquisas um mês antes das eleições. A Carta fez desaparecer este ato de censura (outras ameaças permanecem latentes) e legitimou a desobediência do jornal, que publicava os números do Datafolha apesar da lei.

Quem visitar o noticiário de 1988 verá que o PT elege Luiza Erundina prefeita de São Paulo. Meses depois emergiria o primeiro escândalo moral do partido (caso Lubeca), que começava a navegar nas águas da realpolitik, com insinuações de envolvimento de Paulo Okamotto —tesoureiro da campanha de Lula à Presidência em 1989.

O jovem Bolsonaro se elege vereador no Rio de Janeiro. Motoqueiro, prometia representar os militares trazendo no currículo a suspeita de ter planejado explosão de bombas em quartéis, para protesto salarial, e a defesa de rígido controle da natalidade no país.

Diferentemente de FHC e Lula, Dilma e Temer não conseguiram mexer na Previdência. O descontrole das contas públicas é grave. O mandado de injunção idealizado pelo constituinte para suprir a falta de norma regulamentadora que inviabiliza o exercício de liberdades constitucionais só seria regulamentado em 2016.

Apesar de defeitos e exageros (para o bem e para o mal) e do desprezo crônico de governantes, legisladores e juízes, a Carta sobrevive. Se o texto não é o mesmo, 1988 também parece ser um ano que ainda não terminou.

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