Luís Francisco Carvalho Filho

Advogado criminal, é autor de "Newton" e "Nada mais foi dito nem perguntado"

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Luís Francisco Carvalho Filho
Descrição de chapéu Otavio Frias Filho

Na planície

Otavio Frias Filho era totalitariamente a favor da liberdade de expressão

Movido pela curiosidade, Otavio Frias Filho viajou com amigos para o júri de seis surdos-mudos acusados de assassinato em Mogi das Cruzes. O enredo da tragédia provinciana e passional (mãe e filha da vítima depuseram em favor dos réus) inspirou coluna vertical em 1995 que sintetiza uma visão implacável da Justiça —"Amordaçados por algemas".

Além da brutalidade da confissão de seres humanos que se comunicam por sinais, estando as mãos para trás, algemadas (a informação condensada no título), o jornalista percebe a miséria do ritual, o ambiente de repartição, "todo feito de fórmica e paviflex", "cafezinhos requentados", "funcionárias exaustas", a "cruz de gosto horrível".

Para Otavio, "todo réu se sente não apenas mudo como também surdo, ao transferir sua voz para terceiros, seus advogados, enquanto tenta ouvir, aturdido, o jargão incompreensível dos tribunais".

Questões de justiça, assim como de aeroportos, o atormentavam. Desconfiava do fator lotérico da magistratura. O Projeto Folha esbarrava nele.

O poder de polícia foi acionado pela contratação de profissionais sem diploma de jornalista, contra a lei, o compadrio e o interesse corporativo de sindicatos e faculdades. O jornal queria se habilitar para a cobertura de temas científicos (terremoto, poluição, aquecimento global) e técnicos (direito, medicina, arquitetura, sociologia). Queria informação exata, certeira.

Também foi caso de polícia publicar o resultado de pesquisas eleitorais nos 15 dias anteriores às eleições, o que era proibido até a Constituição de 88 prevalecer.

A Lei de Imprensa do regime militar (1967), só declarada inconstitucional pelo STF (Supremo Tribunal Federal) em 2009, conferia ao editor-chefe, no caso da Folha o diretor de Redação Otavio Frias Filho, responsabilidade criminal pelo teor de tudo que se publicava sem indicação de autoria. Ser réu, portanto, era parte das regras do jogo.

Dias depois da posse do presidente Fernando Collor, em março de 1990, a Polícia Federal invade a Folha por suposta desobediência a plano econômico, os agentes procurando pelo seu Frias, pai de Otavio. O jornal denuncia a escalada fascista.

Em julho, seus repórteres revelam esquema de contratação milionária, sem licitação, pelo secretário particular do presidente da República, de agências de publicidade ligadas à campanha eleitoral.

Collor acusa de calúnia Otavio Frias Filho e três companheiros de redação. Além de manipular a máquina judicial, contrata advogado particular para tocar processos. Nos bastidores, dissemina a boataria terrorista de que Otavio, por conta de outra condenação criminal, seria preso. O juiz federal é corrupto, arbitrário, governista.

A carta aberta na Primeira Página da Folha, em abril de 1991, define um território de vida: "Eu estou na planície, o sr. está encastelado", "eu luto pela minha liberdade, o sr. por uma vaidade ferida".

O réu declara assim a insubmissão —inclusive aos seus defensores. Seria absolvido (por outro juiz, é claro) e meses depois ofereceria espaço no jornal para Collor se defender de acusações que encurralavam o seu mandato.

Assim era Otavio, totalitariamente a favor da liberdade de expressão. Via a prisão como recurso derradeiro do poder público, para crimes violentos ou para quem oferece perigo real se estiver livre.

Nunca foi de palácios. Zombava da minha pontualidade, gostava de pão francês, de bife com batata frita e outras coisas singelas.

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