Luís Francisco Carvalho Filho

Advogado criminal, é autor de "Newton" e "Nada mais foi dito nem perguntado"

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Luís Francisco Carvalho Filho

O perdão para Lula

O ato de mitigar penas é herança monárquica que o presidencialismo absorveu

O indulto é da tradição jurídica brasileira, ainda que a graça —para beneficiar pessoa determinada ou grupo determinado de pessoas— seja rara no período republicano.

Normalmente, indultos aqui são coletivos: para condenados que preenchem requisitos estabelecidos no decreto (crime, tempo de prisão, idade). São editados para desafogar as penitenciárias.

O ato de perdoar ou mitigar penas é herança das monarquias absolutas que o presidencialismo absorveu. Prevalecia a dialética "do terror e da clemência": o rei, nas palavras do historiador António Hespanha, equiparava-se a Deus, desdobrando-se "na figura do pai justiceiro e do filho doce e amável".

Gerald Ford perdoou Richard Nixon dos delitos praticados no caso Watergate: o indulto teria sido decisivo para a vitória do adversário Jimmy Carter nas eleições de 1976. Para não desapontar agências de espionagem, Obama se recusou a perdoar Edward Snowden, acusado de traição e vazamento de sigilos. Trump indultou Dinesh D'Souza, condenado por tramoia eleitoral.

No Brasil de d. Pedro 2º, a graça fazia parte do cotidiano. Era modalidade de recurso e beneficiava, sobretudo, condenados à morte. Depois de ouvir o Conselho de Estado, o imperador perdoava e moderava penas, corrigindo injustiças e excessos dos tribunais, o que evitou o enforcamento de vários escravos que mataram senhores e feitores.

Há controvérsias em torno desta atribuição dada a governantes. Críticos sustentam que o "direito de graça" perturba a harmonia institucional, a independência do Judiciário.

Há notícia de precedentes no Brasil relacionados à Segunda Guerra Mundial.

Dois pracinhas das Forças Expedicionárias foram sentenciados à morte pela Justiça Militar pelo estupro de uma garota de 15 anos na Itália e pelo homicídio de seu tio, que tentou protegê-la. A pena, convertida em 30 anos de reclusão, seria perdoada por Getúlio Vargas em 1951. O Conselho Penitenciário, favorável ao pedido, lembrou que guerras desencadeiam ferocidades. O Diário da Noite publicou reportagem dando voz aos presos: o álcool teria sido o "maior culpado", "as italianas não queriam saber de negro".

Fernando Morais, no ótimo livro "Corações Sujos" (Companhia das Letras, 2000), registra o perdão decretado por Juscelino Kubitschek em 1956 beneficiando integrantes da seita terrorista Shindo Renmei, formada por imigrantes inconformados com a rendição do Japão em 1945 e responsável pelo assassinato de 23 pessoas no interior paulista.

Alguns argumentos conspiram contra o desejo petista de um perdão imperial a Lula.

Diferentemente da anistia (decisão do Congresso), o indulto não faz desaparecer o crime, só a pena. Isto significa que outros efeitos da condenação, como a perda da primariedade e dos direitos políticos e o dever de indenizar, podem permanecer intactos.

O despacho do ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, suspendendo a eficácia do indulto decretado por Temer e limitando arbitrariamente a atribuição presidencial, é um obstáculo aparente.

Não há pesquisas sobre o tema, mas o perdão pode desagradar parte relevante da opinião pública: a popularidade de Lula não apaga a relação promíscua com as empreiteiras.

Depois de muito titubear, Fernando Haddad negou o plano de indultar. Quer ser presidente, de fato? Precisa se livrar do controle remoto —imagem capaz de, lentamente, corroer sua credibilidade política.

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