Luís Francisco Carvalho Filho

Advogado criminal, é autor de "Newton" e "Nada mais foi dito nem perguntado"

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Luís Francisco Carvalho Filho

Depois do AI-5, 1969

Governo militar promove vendaval totalitário e reformista

O AI-5 declara o "poder constituinte" da Presidência da República. Fecha o Congresso, impede o Judiciário de apreciar suas medidas, elimina garantias individuais e fortalece os embriões criminosos da repressão política.

Em 1969 são editados mais 12 Atos Institucionais por Costa e Silva e (depois do seu afastamento médico) pela Junta Militar que governa o país de 31 de agosto a 30 de outubro, quando assume o general Garrastazu Médici.

Governar sem liberdade de imprensa, partidos políticos e juízes parece fácil. São mais de 650 decretos-lei (DL) em dez meses, matérias que, em tempos democráticos, exigiriam intensa negociação parlamentar.

Na gigantesca coleção de textos legais editados no período, alguns são curiosos, como o que dá pensão de dois salários mínimos para os três últimos membros da quinta geração de Tiradentes (DL 952). O presidente da República chega a autorizar o presidente da República a viajar para o Paraguai (DL 511).

Costa e Silva ameaça expulsar estrangeiros subversivos (DL 417). Regulamenta a produção de vinhos (DL 476). Impõe regime de perseguição disciplinar em instituições de ensino (DL 477). Concede isenção tributária para importação de equipamentos para emissoras de rádio e TV (DL 480) e de bens destinados à construção da ponte Rio-Niterói (DL 567). Fixa regras para escrituração mercantil (DL 486).

Transforma o Correio em empresa pública (DL 509). Aprova a cooperação com a Índia para uso pacífico de energia nuclear (DL 537). Permite o trabalho noturno em bancos, inclusive da mulher (DL 546). Amplia o mar territorial para 12 milhas (DL 553). Acelera a reforma agrária (DL 582). Faz a loteria esportiva (DL 594). Reorganiza as polícias militares (DL 667). Cria a Embraer para desenvolver a indústria aeronáutica (DL 770) e a Universidade Federal de Ouro Preto (DL 778). Institui pedágio em rodovias federais (DL 791).

A Junta Militar funda a Embrafilme para divulgar o cinema brasileiro (DL 862). Fortalece "valores espirituais e éticos da nacionalidade" tornando obrigatório o ensino da "educação moral e cívica" (DL 869). Edita lei de segurança nacional com pena de morte e prisão perpétua para terroristas (DL 898). Institui o Fundo Especial para Calamidades Públicas (DL 950). Exige do jornalista apresentação de diploma de curso superior de jornalismo (DL 972). Submete a indústria e o comércio de alimentos a regras de registro e de rotulagem e a padrões de identidade e qualidade (DL 986).

O Diário Oficial de 21 de outubro --a eleição de Médici se aproxima--, está repleto de decretos-lei. O Código Penal Militar (DL 1.001) e o Código de Processo Penal Militar (DL 1.002) estão em vigor até hoje. O Código Penal de 1969 (DL 1.004), com vigência prevista para 1º de janeiro de 1970, nunca entraria em vigor e seria revogado em 1978. Além do Código de Propriedade Industrial (DL 1.005), obriga a declaração de bens, dinheiros ou valores existentes no estrangeiro e prevê prisão administrativa e sequestro de bens para infrações fiscais (DL 1.060).

O governo aproveita o Congresso vazio para mostrar dinamismo. Apropria-se de projetos e anteprojetos existentes. Os textos escolhidos não sofrem resistências externas. Assim, enquanto esmaga seus adversários, o governo encurta o tempo das reformas e sanciona interesses empresariais e corporativos. Na engenharia da produção de leis, age como déspota --às vezes esclarecido.

lfcarvalhofilho@uol.com.br

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