Luís Francisco Carvalho Filho

Advogado criminal, é autor de "Newton" e "Nada mais foi dito nem perguntado"

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Luís Francisco Carvalho Filho

Superstição, fanatismo, milagre

Em meio à guerra das religiões, Bolsonaro celebra uma nova era

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A religiosidade exuberante do Brasil sempre despertou interesse de artistas, intelectuais e políticos.
“O Pagador de Promessas” (Anselmo Duarte, 1962) e “Deus e o Diabo na Terra do Sol” (Glauber Rocha, 1964) são dois dos filmes brasileiros de maior prestígio internacional.

A Flip celebra Euclides da Cunha, escritor de “Os Sertões” (1902), obra magnífica sobre o extermínio de Canudos. Além de Antônio Conselheiro, morto em 1897, outros beatos desgarrados reinaram em diferentes sertões, reprimidos com mais ou menos rigor, conforme a dimensão de seus desatinos.

Ao longo do tempo, sebastianismo, charlatanismo e imoralidade, assim como desvios de conduta ou de dinheiro, mobilizam a atenção de autoridades. João de Deus, padres, pastores e pais de santo são hoje detidos por abuso sexual.

Há uma guerra informal pela conquista de fieis e poder. O desfecho depende da capacidade de comunicação espiritual dos pregadores e de manejo dos mecanismos mundanos da isenção tributária, do dízimo e do próprio sincretismo.

A maioria da população brasileira é cristã (87%, segundo o Censo de 2010) e o catolicismo está em franco declínio. Segundo o IBGE, em 1970, 92% da população era católica: em 1991, 83%; em 2000, 73,6%; em 2010, 64,6%. No Rio de Janeiro, o percentual atingiu 45,8%. Evangélicos que, em 1940, representavam 2,6% da população, alcançaram 22,2% em 2010.

Pesquisa do Datafolha indicava 50% de católicos em 2016, anunciando que 3 em cada 10 brasileiros com mais de 16 anos eram evangélicos.

Em 1991, o papa João Paulo 2º, que depois viraria santo, alertava: “O Brasil precisa de santos”. Pois o Brasil não tinha nenhum e agora tem 36 santos (28 deles anônimos, é verdade, mártires de massacre calvinista holandês no século 17, em Pernambuco), além de irmã Dulce, que será canonizada em outubro.

Política e religião se entrelaçam. A Marcha da Família com Deus pela Liberdade é parte da narrativa do golpe de 1964. Igualmente católicas, na década de 1980, as Senhoras de Santana combatiam indecência e sexo na TV. A inspiração messiânica da Lava Jato interfere no tabuleiro eleitoral e populista.

O Vaticano pede perdão pelos pecados cometidos e fabrica santos em série. A Igreja Universal esteriliza pastores para gerenciar melhor o negócio. Brasília é capital mística do país.

Jair Messias Bolsonaro reclama dos males da ocupação ideológica do PT, mas tenta impor uma pauta moralmente primitiva e deletéria. De raiz familiar católica, o presidente circula pelos templos como venerável e não como servo.

O apoio evangélico ao “escolhido” tem preço e retribuição terrena: afrouxamento da vigilância fiscal. No Palácio do Planalto, onde se flerta com a ideia da terra plana, a “nova era” é comemorada: como Deus quer, Deus vult, “é tudo nosso”, pensam eles.

Segundo levantamento do Conselho Nacional de Justiça, o juiz brasileiro é “homem, branco, casado, católico e pai”. Não é só a vaga do Supremo: como informa o jornalista Frederico Vasconcelos, Bolsonaro nomeará, até o final do mandato, pelos menos 90 juízes em 35 tribunais. Terrivelmente.

Miséria, desalento e ignorância fazem florescer superstição, fanatismo, milagres, demônios e censura.
É de Otavio Frias Filho (1957-2018), homenageado hoje na Casa Folha, em Paraty, pela direção iluminista deste jornal, o pensamento instigante: “só quando a fé diminui a tolerância aumenta”. Ceticismo faz bem.

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