Luís Francisco Carvalho Filho

Advogado criminal, é autor de "Newton" e "Nada mais foi dito nem perguntado"

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Luís Francisco Carvalho Filho

Obsessão autoritária

O movimento contra fake news deve ser cirúrgico, transparente, eficaz

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Muitos dirão que agora é diferente, que a ameaça é real, assustadora, que os danos são incalculáveis, mas o olhar retrospectivo para a história da imprensa revela uma curiosa coincidência de sentimentos e vocabulário.

Em fevereiro de 1822 (o primeiro jornal impresso no Brasil foi lançado em 1808), a Câmara do Rio de Janeiro, formada pelos “homens bons”, encaminharia carta chamando a atenção de dom Pedro, príncipe regente, para a “liberdade absoluta da imprensa” e para o perigo de ela se “degenerar em abusos terríveis”, que perturbam o “sossego público da Nação e o particular de cada um dos seus cidadãos”.

A “má” imprensa era vista como ameaça no século 19. Juristas reclamavam daqueles que, impunemente, espalhavam “princípios falsos”, atacavam a vida particular das pessoas e inflamavam as paixões.

A responsabilidade pelos ataques “espúrios” contra honra ou contra a religião recaíam em testas de ferro e não nos verdadeiros “patifes”. Hoje, o desafio é alcançar os formuladores das mensagens de ódio difundidas na Internet (Felipe Neto menciona a existência de uma articulação piramidal em aplicativos de mensagem) e não os seus replicantes periféricos, ainda que daninhos.

Para o ministro Alexandre de Moraes, que conduz no STF o inquérito das fake news, “liberdade de expressão não é liberdade de destruição da democracia, das instituições e da honra alheia”. Em 1847, o jurista Mendes da Cunha dizia que as oficinas tipográficas, “que Deus na sua ira parece ter abandonado às especulações dos homens mais corrompidos e ignorantes”, formaram uma “falange de libelistas” para combater todas as “virtudes”.

A notícia falsa, definida como “vírus de perigosa conturbação”, é uma das obsessões autoritárias do Brasil republicano.

O Decreto 295, de 29 de março de 1890, do generalíssimo Deodoro da Fonseca, determinava que os responsáveis por “falsas notícias e boatos aterradores” fossem submetidos à junta militar incumbida de julgar conspirações.

Todas as Leis de Imprensa e de Segurança Nacional editadas desde 1934 criminalizaram a divulgação de notícia falsa.

A Lei de Imprensa do regime militar, declarada inconstitucional em 2009, punia notícia falsa a título culposo: além da divulgação intencional, alcançava eventual imprudência ou negligência.

O alcance das redes sociais é instantâneo e infinito. Mas o alcance das ofensas pelos jornais impressos e, mais tarde, no rádio e na TV, sempre foi avassalador.

Como o ambiente digital é fustigado neste momento pela extrema direita, atentados contra o princípio da liberdade de expressão são recebidos com tolerância e alguma satisfação.

O movimento contra as fake news deveria ser cirúrgico, transparente, eficaz. O clima de ódio nas redes sociais é apenas um sintoma. O problema brasileiro não se resolve com atropelo legislativo, atos de censura, processo secreto ou banimento de perfis.

A jurisprudência que hoje se constrói pode amanhã se voltar contra forças democráticas e progressistas. Jair Bolsonaro ceva a sua mídia informal e acusa de fake news o jornalismo independente da Folha.

O país é governado por um bando de políticos de inspiração miliciana, que aposta na violência policial, na tributação de livros, na vigilância e na perseguição política. A liberdade de expressão é um valor que essa gente imoral e cretina, que venceu as eleições, pretende suprimir se o bolsonarismo vingar e se reeleger.

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