Luís Francisco Carvalho Filho

Advogado criminal, é autor de "Newton" e "Nada mais foi dito nem perguntado"

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Luís Francisco Carvalho Filho

O rosto, a lei e a liberdade

Crescem movimentações antimáscara no mundo

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Obrigado a romper o isolamento social para cumprir uma exigência burocrática, ao chegar ao cartório, encontrei a placa afixada na porta de vidro: “É proibida a entrada de pessoas utilizando capacete ou qualquer tipo de cobertura que oculte a face”.

Todos, funcionários e clientes, estavam com máscara e, consequentemente, escondendo o rosto. A recomendação sanitária revogou a lei que, desde 2013, proibia em São Paulo, sob pena de multa de R$ 500 (o dobro no caso de reincidência), ingresso ou permanência de pessoa com “qualquer tipo de cobertura que oculte a face nos estabelecimentos comerciais, públicos ou privados”.

É estranho encontrar este vestígio de outra época (tão próxima) que o tabelião não mandou remover. Ou a expectativa é a de que lei volte a valer com a normalização sanitária?

Até a Covid-19 se alastrar, por ingenuidade, ideologia ou intolerância, o roteiro definido por governantes de muitos países era o de combater os rostos encobertos e, assim, criar suspeitas e prevenir terrorismo, desordem e criminalidade. Máscaras, capacetes, balaclavas ou véus, acessórios essencialmente lícitos, ainda criam embaraço para a tecnologia futurista do reconhecimento facial.

Em 2010, para banir a burca muçulmana das ruas, a França decretava que ninguém pode, em público, esconder o rosto com vestimentas. Leis semelhantes seriam editadas depois na Áustria, na Bélgica, na Dinamarca e na Holanda.

Para a manutenção da ordem, o uso de máscara em protestos passou a ser punido em 2019 com prisão de até um ano em Hong Kong e em Paris.

Mas a pessoa cobre o rosto em manifestações públicas, por exemplo, pelo receio de perder o emprego ou para se proteger do gás lacrimogêneo e da violência policial ou simplesmente para se divertir. Máscara não é indício de delinquência.

No Brasil, desde as manifestações de 2013, a figura do “mascarado”, atrelada (nem sempre com justiça) a imagens de vandalismo, alimentou um movimento político capaz de estigmatizar o uso e de restringir liberdades públicas nos principais centros urbanos. Menos no Carnaval.

Para a presidente Dilma Rousseff, “pessoas que escondem o rosto para se manifestar não são democratas”. Felipe Santa Cruz, na época presidente da OAB do Rio de Janeiro, apoiava resolução autorizando a identificação policial de mascarados teimosos.

Com a pandemia, os valores se inverteram. De um momento para outro, a necessidade de reduzir o contágio tornou obrigatória a máscara, e é provável que, depois da vacina, o uso se mantenha, não como obrigatoriedade, mas como estratégia voluntária de parte das populações, para não transmitir doenças —o que já acontece no Japão.

Hoje, o que causa incômodo e desconfiança é o transeunte desmascarado.

Apesar das evidências científicas, crescem movimentações antimáscara em todo o mundo. Fala-se em “tirania dos médicos”, em conspiração de Bill Gates e em atentado à liberdade individual, muito embora a desobediência ponha em risco a saúde do outro.

Jair Bolsonaro, além de promover aglomerações, tentou vetar dispositivos da lei 14.019/2020, que torna obrigatório o uso da máscara em locais públicos. Depois de estimular o negacionismo nos EUA, Donald Trump passou a usar o acessório recentemente: medo de perder votos. Milhares de pessoas têm se reunido para protestar contra medidas sanitárias em Berlim, Madri, Zurique e Londres.

A estupidez não tem fronteiras.

LINK PRESENTE: Gostou desta coluna? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.