Luís Francisco Carvalho Filho

Advogado criminal, é autor de "Newton" e "Nada mais foi dito nem perguntado"

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Luís Francisco Carvalho Filho
Descrição de chapéu Folhajus STF

Entra e sai no STF

Celso de Mello atua como obstáculo à insanidade bolsonarista

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

No conturbado e longínquo governo do marechal Floriano Peixoto (1891-94) o Senado rejeitou cinco ministros indicados pelo presidente da República para o Supremo Tribunal Federal. Nunca mais aconteceu.

O adesismo hoje está entranhado. Difícil imaginar um revés para o chefe do Executivo no Brasil, mas o simples receio de não emplacar a nomeação já faz com que se reduzam as expectativas de a escolha recair em um intruso ou em um fantoche incondicional.

Em 18 maio de 1989, cobri para a Folha, como enviado especial a Brasília, a sabatina de Celso de Mello, que se aposenta nos próximos dias e abre vaga para Jair Bolsonaro.

Celso de Mello, em pé, em frente ao seu microfone, com o cabeça levemente inclinada para o lado, olha para frente
O ministro Celso de Mello durante sessão do STF - Fellipe Sampaio/STF

Tínhamos a pretensão de fazer, pela primeira vez, a cobertura crítica do processo de escolha de um ministro do STF —o mérito é da direção do jornal, da mente inquieta e constitucionalista de Otavio Frias Filho (1957-2018).

A reportagem mostra que senadores (governistas e oposicionistas) estavam dispersos e pouco empenhados em fazer a avaliação técnica e política da escolha presidencial, em contraste com o costume norte-americano de virar a vida do indicado pelo avesso.

A sabatina de Celso de Mello foi apressada. Discursou durante singelos três minutos porque, referindo-se ao senador Cid Sabóia de Carvalho, “o tempo angustia o presidente”. Uma hora e meia depois, o nome estaria aprovado na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania: “17 votos contra nenhum”.

Em seguida, seria apreciada a indicação de Aristides Junqueira a procurador-geral da República: a sabatina durou exatos 15 minutos.

Mello, à época chamado de José Celso, número dois na Consultoria-Geral da República —chefiada pelo controvertido jurista Saulo Ramos—, não é perguntado sobre as suas funções no governo. Destinatário de bajulação e salamaleques, o candidato nomeado por José Sarney não é incomodado com questões políticas, mas transmite sinais do grande juiz que poderia ser.

Espontaneamente se declara contra a edição de norma penal por medida provisória, um pecado praticado pelo governo Sarney, provavelmente concebido na própria Consultoria-Geral.

Sustenta que as Forças Armadas devem estar rigorosamente subordinadas ao poder civil. A maioria dos ministros do STF (6 de 11) era oriunda do regime militar. Três décadas depois, ele se despede do STF em meio a cenas de um triunfo militarista extemporâneo que lhe causa repulsa e apreensão.

Entre erros e acertos, Celso de Mello deixa uma inestimável coleção de precedentes sobre liberdade de expressão, devido processo legal e direitos humanos. O voto condutor do indeferimento da extradição de cidadão chinês em 1996, por falta de garantia de que a República Popular da China respeitaria compromisso de não executar o condenado, por exemplo, ecoa em 2019, quando, pelo mesmo fundamento, foi indeferida a extradição de pelo menos mais três chineses reclamados pelo principal parceiro comercial do Brasil.

Cercado de cretinos e de pilantras (é que Narciso acha feio o que não é espelho), o presidente da República tem oportunidade de indicar o sucessor do decano, que tem funcionado como obstáculo à sua insanidade, e plantar mais uma semente obscurantista.

Ministros do Supremo aprendem (ou deveriam aprender) que sentimento de gratidão ao governante que o escolhe logo se dissipa.

Se o novo ministro se notabilizar pela defesa do ideário bolsonarista, restará ao Brasil torcer para que ele não seja longevo como Celso de Mello.

LINK PRESENTE: Gostou desta coluna? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.