Luís Francisco Carvalho Filho

Advogado criminal, é autor de "Newton" e "Nada mais foi dito nem perguntado"

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Luís Francisco Carvalho Filho

Devolver para os quartéis

Militares existem para obedecer e não para governar

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Em depoimento ao projeto de Memória Oral da Biblioteca Mário de Andrade, em 2005, Fernando Henrique Cardoso chamava atenção para uma virtude das Forças Armadas: a manutenção.

Na administração pública prevalece a mentalidade de abandono que corrói tudo, hospitais e bibliotecas, prédios e calçadas —sinal de subdesenvolvimento.

FHC situava as Forças Armadas (na época, pacificamente distantes do poder político) como uma honrosa exceção. Em qualquer instalação as coisas são velhas, navios, caminhões, caminhos, mas elas funcionam; “está tudo pintadinho de cal branco, você tem gramado”, não tem “verba exuberante, mas tem manutenção”.

Isso não se explica, evidentemente, pela boa vontade dos comandantes. O contingente de pessoas (soldados e oficiais) é enorme e precisa ser atarefado permanentemente. A hierarquia rígida facilita a execução de atividades menos complexas, serviçais, e que afetam o dia a dia dos quartéis.

O elogio da manutenção é justo, o estímulo do bem cuidar é simpático, mas não significa que agentes militares, no exercício de funções civis, carregam consigo as virtudes da excelência e da moralidade.

Exemplo de gestão criminosa e daninha, o desastre administrativo e sanitário promovido pelo Ministério da Saúde na pandemia é (também) fruto da ocupação militar do governo Bolsonaro.

Os militares deixaram os quartéis e passaram a dividir com políticos insaciáveis do centrão a Esplanada dos Ministérios, disputando cargos de chefia e de confiança, benefícios salariais e o controle disfuncional de contratos milionários da administração federal.

Os ataques ao Senado e ao STF desferidos pelo Ministério da Defesa e pelo Clube Militar (associação formada por oficiais da ativa e da reserva), ignorando a atuação de militares pilantras e ineptos investigados pela CPI, além de cumprir o papel estratégico de assustar o poder civil, revela o interesse corporativo de manter, custe o que custar, as janelas de oportunidade que o governo Bolsonaro oferece.

Mas a associação à imagem de Jair Bolsonaro, visto hoje pela maioria da população brasileira, segundo pesquisa do Datafolha, como governante “desonesto, falso, incompetente, despreparado, indeciso, autoritário”, que “favorece os ricos e mostra pouca inteligência”, ameaça a credibilidade das Forças Armadas.

O entorno de Jair Bolsonaro é formado pelo pior tipo de gente que há. A família é modelo de milícia. A autoridade militar que o presidente da República venera como herói nacional é o torturador e o assassino. O policial que, na sua visão corrompida, preenche os requisitos de bravura e civismo é o que atira por atirar e mata os “suspeitos” de sempre. O bom juiz é o subserviente, bajulador.

Acuado pela perda da popularidade, Jair Bolsonaro aposta na anarquia constitucional, na rebelião militar e no apoio incondicional de parlamentares (ilegitimamente) oriundos das forças de segurança e de igrejas empenhadas em cultivar a ignorância, salvar almas do demônio e enriquecer bispos e pastores.

Faz parte da estratégia golpista de Bolsonaro duvidar (sem provas) da lisura das eleições, alertando, desde logo, que não aceitará o resultado (se ele perder, é claro) da disputa em 2022.

Um dos desafios da democracia brasileira é devolver para os quartéis o destacamento de oficiais instalado nos gabinetes da administração pública.

Militares existem para obedecer e não para governar.

lfcarvalhofilho@uol.com.br

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