Luís Francisco Carvalho Filho

Advogado criminal, é autor de "Newton" e "Nada mais foi dito nem perguntado"

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Luís Francisco Carvalho Filho
Descrição de chapéu Folhajus

O fim da Lei de Segurança Nacional

O roubo da democracia e o roubo do seu celular

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A revogação da Lei de Segurança Nacional (LSN) tem a utilidade prática de inviabilizar a estratégia de intimidação do governo Bolsonaro: abrir inquérito policial por violação da “honra” do presidente da República, como se fosse valor essencial à manutenção do regime democrático, e, assim, inibir críticas ao seu pavoroso desempenho como chefe de Estado.

Há também o efeito simbólico. Editada em 1983, no processo de abertura lenta e gradual (mais suave que as LSNs de 1969 e 1978), é uma herança do regime militar que vai para a lata do lixo. E acontece justamente quando o governo federal e o Ministério da Defesa celebram a ditadura.

Por ironia, o projeto aprovado pelo Congresso e que espera a sanção do presidente da República, incorporando ao Código Penal dispositivos de proteção do Estado de Direito, pode, em parte, beneficiá-lo.

Jair Bolsonaro e seus seguidores (alguns investigados pelo STF) violaram a LSN: com o novo texto, o crime de incitar à subversão da ordem política deixa de existir.

Desde 1987, o Brasil tenta se livrar do fantasma da LSN. Em 1991, o então deputado federal do PT de São Paulo Hélio Bicudo (1922-2018) apresentou o projeto de lei, alterado ao longo do tempo por emendas e substitutivos, que se converteria no texto agora aprovado.

A bancada governista não resistiu à mudança legislativa —sinal de que Bolsonaro não se sente vulnerável com a novidade.

Tradicionalmente, este tipo de legislação existe para proteger os governos de seus oponentes, não para proteger o país de atentados e crimes cometidos pelo próprio governante. Golpe de Estado é tentar depor o “governo legitimamente constituído”.

O impeachment é o instrumento próprio (se existir vontade política do Congresso, é claro) para o afastamento do presidente por atos como incitar militares à desobediência da lei, impedir a execução da lei eleitoral ou opor-se (diretamente e por fatos) ao livre exercício do Poder Judiciário.

Em matéria de crime comum, Jair Bolsonaro está blindado. Tem imunidade plena: é constrangedora e cínica a subserviência do procurador-geral da República ao Palácio do Planalto.

Há uma mudança de eixo relevante. Além dos tipos penais para punição de espionagem, sabotagem e atentados à soberania e à integridade nacional, o texto inova (para o bem) ao propor crimes contra as instituições democráticas, o processo eleitoral e o direito de manifestação.

Especula-se sobre a extensão de eventuais vetos de Bolsonaro, capazes de modular o texto legal.

Seria um tiro no pé (confissão de plano golpista) o veto à “abolição violenta do Estado Democrático de Direito” –dispositivo que, em tese, o atinge com mais gravidade que a atual LSN.

Mas é previsível o veto à regra da ação penal subsidiária (para partidos políticos nos casos de “interrupção do processo eleitoral”, “comunicação enganosa em massa” e “violência política”) se o Ministério Público se omitir. Bolsonaro aposta em acusadores sabujos e omissos.

Resta saber da eficácia da nova lei neste momento de polarização ideológica.

Os critérios de coerência penal no Brasil são curiosos.

A pena mínima para quem tentar abolir o “Estado de Direito Democrático” com emprego de violência ou grave ameaça (o texto entra em vigor 90 dias depois da publicação) será de quatro anos. Para o roubo do seu celular, praticado por um jovem armado com um simples canivete, a pena mínima é de cinco anos e quatro meses de reclusão.​

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