Luís Francisco Carvalho Filho

Advogado criminal, é autor de "Newton" e "Nada mais foi dito nem perguntado"

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Descrição de chapéu Folhajus Governo Bolsonaro

Sobre orçamentos e vampiros

República e transparência ficam pelo caminho

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O jornalista Gilberto Dimenstein (1956-2020), na época diretor da sucursal da Folha em Brasília, foi processado pelo deputado João Alves (1919-2004) com base na Lei de Imprensa, herança da ditadura.

Em outubro de 1991, o parlamentar era relator da Comissão Mista de Orçamento. Alvo de denúncias e sentindo-se politicamente fragilizado, ameaçava contar tudo que sabia sobre manipulação eleitoral de verbas federais se fosse afastado do cargo, e ficou indignado com a coluna "Guerra de chantagem", de Dimenstein, particularmente com a frase: "colocaram um vampiro para administrar um banco de sangue".

A ação penal seria rejeitada pela Justiça Federal por vícios processuais e o valente jornalista, absolvido pela história.

Deputado federal João Alves (1919-2004), um dos anões do Orçamento - Ailton de Freitas - 20.set.1991/Folhapress

Encerrada a CPI do Orçamento em 1994 (instalada em 1993), João Alves renunciou ao mandato para não ser cassado e ficar inelegível. No eixo da atividade parlamentar, sua riqueza patrimonial teve como explicação mais de 200 prêmios de loteria –façanha por ele atribuída à ajuda de Deus.

O estrepitoso escândalo é lembrado pelo apelido (politicamente incorreto) dado aos corruptos, "Anões do Orçamento".

Lula, ainda radical, presidente do PT, atacou o Congresso Nacional, formado, na sua visão, por "300 picaretas" que só defendiam os próprios interesses, inspirando a música dos Paralamas do Sucesso, gravada em 1995: "Papai, quando eu crescer eu quero ser anão / Pra roubar, renunciar, voltar na próxima eleição".

O mundo gira, República e transparência ficam pelo caminho e, três décadas depois, há constrangedoras (porém saborosas) semelhanças com a atualidade.

Orçamento secreto. Emendas do relator. Abuso de poder eleitoral. Deus. Corrupção. Picaretagem. Chantagem. Vampiros.

Acionado pelo PSOL, o Supremo Tribunal Federal tenta impor um freio de arrumação na compra de votos pelo governo Bolsonaro. Pretende, pelo menos, iluminar os acontecimentos, para que se possa fiscalizar eventual violação dos princípios da moralidade e da impessoalidade na administração pública, essenciais na gestão dos três Poderes.

A reeleição é crucial para que os vampiros de hoje, Arthur Lira et caterva, se mantenham com as rédeas do poder nas mãos. As emendas orçamentárias formam um perigoso passivo a ser, quem sabe, remexido, investigado.

O governo Bolsonaro, criminosamente pão duro com o IBGE e com a ciência, empenhou (em apenas dois dias), nas vésperas da votação do primeiro turno da PEC dos Precatórios, R$ 909 milhões do orçamento secreto.

Prevaleceu no julgamento virtual, encerrado quarta-feira (10), o voto de Rosa Weber, com apenas duas divergências, de Gilmar Mendes e Kassio Nunes, o ministro pedaço de Bolsonaro (10%) no STF. Além da suspensão dos repasses, o governo deve publicar em 30 dias detalhes da execução das despesas de 2020 e 2021.

Mas a semana tem más notícias. O Superior Tribunal de Justiça praticamente legitimou o enriquecimento patrimonial de Flávio Bolsonaro. Encontrou vícios processuais e anulou tudo. A famiglia comemora.

Jair Bolsonaro nomeará 75 desembargadores federais em 2022. O aparelhamento dos Tribunais Regionais Federais será conduzido pelo senador Flávio Bolsonaro, o da rachadinha, o que acaba de conquistar impunidade no STJ, e pelo ministro Kassio Nunes, o que não tem independência para julgar, mas, em compensação, acumula influência e poder.

Por essas e por outras, República e transparência ficam pelo caminho.

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