Luís Francisco Carvalho Filho

Advogado criminal, é autor de "Newton" e "Nada mais foi dito nem perguntado"

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Descrição de chapéu Folhajus

Como se tornar o pior ministro da Justiça

Bolsonaro rompeu tradição centenária de nomear notáveis e escolheu um delegado de polícia medíocre

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Não é uma efeméride empolgante, mas no dia 3 de julho o Ministério da Justiça completa 200 anos de existência. Na tradição republicana, por ser a mais antiga pasta da administração pública federal, seu titular é o primeiro a ser empossado na formação dos novos governos.

O decreto firmado por José Bonifácio de Andrada e Silva dois meses antes da Independência, com a rubrica do príncipe regente, d. Pedro, replica o que se fez em Portugal no ano anterior, criando a Secretaria de Estado dos Negócios da Justiça para promulgar leis e decretos, além de cuidar de questões eclesiásticas e da jurisdição civil e criminal.

Não é só perfumaria, como supõem alguns economistas.

Presidente Jair Bolsonaro e Anderson Torres, ministro da Justiça, participam de cerimônia em Brasília - Pedro Ladeira - 21.fev.2022/Folhapress

O ministério vem sendo esvaziado politicamente nos últimos tempos, mas ainda tem a responsabilidade de gerenciar laboratórios e órgãos responsáveis por políticas públicas complexas: Cade (autarquia que controla atos de concentração econômica para garantir a livre concorrência empresarial), sistema penitenciário, imigração, refugiados, indígenas, desaparecidos, Polícia Federal, relações de consumo, trânsito, combate à corrupção e à lavagem de dinheiro, estatísticas e inteligência legislativa são alguns dos seus assuntos.

Nabuco de Araújo, José de Alencar, Ruy Barbosa, Herculano de Freitas, Francisco Campos, João Mangabeira, Alfredo Buzaid, Petrônio Portela, Paulo Brossard e Marcio Tomaz Bastos fazem parte de uma galeria de ministros (no Brasil, mulheres nunca ocuparam o cargo), formada por bacharéis, juristas e professores notáveis –conservadores ou progressistas, liberais ou autoritários, truculentos ou humanistas, mais ou menos eruditos, visionários e eficientes.

Jair Bolsonaro, que será lembrado pela entrega da Esplanada dos Ministérios para um bando de personagens ridículos, indecorosos e mesquinhos –na Economia, na Saúde, na Educação, nas Relações Exteriores, por exemplo–, rompeu a tradição centenária e nomeou ministro da Justiça um delegado de polícia medíocre.

O noticiário da semana é revelador.

Fiel à sanha autocrática do chefe, o ministro da Justiça desrespeita a Constituição de 88 e anuncia a censura de filme lançado em 2017, "Como se tornar o pior aluno da escola", que aparentemente só bolsonaristas assistiram, por supostamente enaltecer a pedofilia, e, assim, fazer propaganda gratuita de uma obra esquecida, agora popular no streaming, e, por extensão, da própria pedofilia que finge combater.

Galhofeiro e cínico, obediente às estratégias de manipulação maquinadas pelo chefe, o ministro da Justiça concede ao capitão e garimpeiro Jair Bolsonaro, que como presidente da República opera indecentemente para a extinção de povos indígenas, uma medalha do mérito indígena, o que pode servir de propaganda no processo eleitoral.

Muito além dos propósitos de censura e bajulação, a escolha de um ministro-delegado, despido de conhecimento e vocação humanitária, serve para impregnar os negócios da Justiça de atmosfera vulgar, iletrada e policialesca.

Mas a nomeação do ministro-delegado é, sobretudo, parte da estratégia política de afastar a Polícia Federal de sua trajetória de independência técnica, ideológica e profissional.

Desde a demissão de Sergio Moro, outro ministro-meganha da Justiça, Jair Bolsonaro tenta converter a PF em seu galinheiro pessoal: a palavra de ordem agora é investigar adversários e fechar os olhos para bandidagens familiares e aliadas.

lfcarvalhofilho@uol.com.br

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