Luiz Horta

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Luiz Horta
Descrição de chapéu

Encontros nas esquinas do centro

Vou me aproveitar desta coluna um pouco fora de esquadro, atípica, para falar de coisas que me incomodam, cada dia mais, no mundo dos vinhos. A principal delas é o esnobismo que cerca o assunto, parafraseando a fase famosa de Ferreira Gullar ("a crase não foi feita para humilhar ninguém"), eu digo: vinho não é instrumento de distinção social ou cultural, é uma bebida como todas as outras, para ser desfrutada de preferência em grupo, compartilhada, e deve ser, cada dia mais, algo do nosso cotidiano, sem afetação ou exibicionismo.

Garrafas de vinho
Garrafas de vinho - Marlene Bergamo/Folhapress

Já contei muitas vezes, mas sempre vale uma insistência, a coisa mais notável no serviço de vinho impecável de um grande restaurante francês, que tem uma adega de vários andares abaixo da terra, o Le Cinq em Paris, é jamais deixar a mesa ao lado ver o que a outra mesa está bebendo. Eu revirei os olhos, usei truques, tentei espiar indo ao banheiro, inútil. Justamente para não fazer que o consumidor de um caro e raro Bordeaux se exiba e que o outro comensal, que está bebendo sua taça simples de tinto decente, se sinta humilhado ou obrigado a gastar o que não tem.

Vinho como produto simbólico de importância, fotos de rótulos caros no Instagram, garrafas ostensivamente exibidas em restaurantes para intimidar, demonstrar poder, ou status, não me incluam, acho de péssimo gosto, maltrata a bebida e o prazer.

Isto dito, longo para um dia de Carnaval, mas os desabafos saem melhor nestes dias em que menos gente presta atenção, volto ao normal.

Fui, de novo ao centro, desta vez conhecer a nova unidade do Z Deli, pois queria comer pastrami. A primeira vez que tive contato com pastrami achava que era um embutido italiano, pelo nome. Nunca tive curiosidade de verificar, tem pontos cegos na existência, aquela palavra que se deixa de lado ("um dia olho no dicionário").

Desta vez olhei, por obrigação profissional. Claro, é uma carne curada, originária da Romênia e Armênia, seca como um pedaço de couro, no vento do ar livre.

Como toda comida rápida judaica que consumimos, falafel, beigel, e não-judaica também, como a tex mex e até pizza, recebemos da sua versão nova-iorquina, não desta versão original.

A do Z Deli é suculenta, úmida, servida quente no pão, certamente bem melhor que a romena descrita no livro de referência.

Uma vez falei, brincando, que todo mundo acha que está em Nova York, talvez por influência do cinema. Não tenho nenhuma razão para me sentir lá, estive na cidade uma única vez, pelas asas da extinta PanAm, em 1980. Mas o downtown paulistano, o centrão, cada dia melhor, parece uma Nova York imaginária, idealizada.

Agora com estes hambúrgueres e pastramis, até tarde da noite (fui num domingo em que tudo estava fechado e a esquina da lanchonete brilhava como salvação), naquele lindo térreo do Instituto dos Arquitetos do Brasil, dá um ar gostoso para a coisa toda. Coma com um vinho tinto frio, no estilo Barbera ou Beaujolais.

Não me convidem para shopping centers, as ruas estão voltando à moda, é nelas que quero estar, alguma coisa acontece ali pelas bandas da Bento Freitas com General Jardim, já são vários restaurantes, bares, lanchonetes.

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