Luiz Horta

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Luiz Horta

Batuque na taça de vinho

Porção de coxinhas do Bar Veloso, na Vila Mariana
Porção de coxinhas do Bar Veloso, na Vila Mariana - Gui Gomes/Folhapress

O vinho está sofrendo novo “ataque especulativo”. Esforço sem origem para colocá-lo distante das pessoas e qualificá-lo de elitizado. Isso me irrita, não reengravatem o vinho.

Repito sempre uma breve história do consumo de vinhos no Brasil dos últimos 30 anos. No princípio, não havia quase importação, todo mundo bebia mesmo era uísque e o vinho chegava nas malas de quem viajava. Era guardado até a festa de aniversário, casamento, ou o que fosse “data especial”. Esperava tanto tempo que estragava.

Veio a fase de ouro da oferta. A mais importante inglesa da área, Jancis Robinson, quando visitou São Paulo 15 anos atrás, ficou boquiaberta com o que havia disponível por aqui. Vinhos raros, vinhos de todos os países produtores, safras que ela nem tinha provado. E a madame é referencia, mora em Londres e tem um grande número de seguidores pelo mundo afora —inclusive o colunista.

A produção nacional se sofisticou. Apareceram bons vinhos brasileiros, os vizinhos também conseguiram resultados mais interessantes que o malbecão muito maduro e cheio de gosto de carvalho, e tudo parecia lindo, era só correr para o tilintar de taças.

Mas o problema de um certo constrangimento que temos diante das uvas fermentadas ainda durava. Todo mundo bebe livremente de tudo, mas quando é vinho, sempre escuto (e sempre mesmo, uma vez por semana, no mínimo) alguém dizer: “olha, não entendo nada de vinho, mas gosto deste”. Se não entende mas gosta de um, entende. Escolher já é entender.

Tratei do assunto várias vezes. Pegas com uma taça de vinho na mão, as pessoas têm medo de passar vergonha, sendo que vinho é uma bebida como todas as outras, alcoólica, social, para acompanhar comida, ou alegrar a festa. Pode ficar aberto na geladeira e ser bebido no sofá enquanto se assiste TV.

Separar o mundo é um hábito humano. Cada vez mais, estamos rosnando para os outros, não precisamos mais deste ponto de divergência. “Vinho é coisa de gente esnobe, bebo cachaça”. Tem cachaças sofisticadíssimas na produção. Caras, raras. E tem vinho simples para beber com a boca cheia de comida de boteco.

Fui ao Veloso e mais uma vez testei algumas combinações. Uma vez estava com um amigo cervejeiro e ele me convenceu em cada mordida que a cerveja ganhava dos vinhos em todos os acepipes. Eu não torço para um clube do vinho, deixei ele ganhar a partida de goleada e continuei com a coxinha e meu gamay geladinho. Não por partidarismo, mas por escolha. A cerveja dava certo, o vinho também, assim como a caipirinha e o refrigerante. É sua sede, e não sua aparência, que conta. Vinho não é para combinar com a roupa, é só uma birita como todas as outras.

vinhos da semana
Divulgação/Arte: Laís Battiato

Ouse uma uva

Gosto do Veloso pela coxinha, pelo escondidinho, pelo pastel e pela feijoada excelente. Mas há um prazer adicional em ir lá: é muito perto de onde moro, posso ir andando, e mesmo assim entro num mundo diferente.

Aquele largo em que está situado tem um clima totalmente peculiar. Não parece fazer parte da cidade, há uma estranheza urbana positiva ali. Parece um cenário, um pequeno trecho de cidade interiorana. Raro espaço fora da cara urbana de São Paulo, um lugar para viajar sem mala e ficar lá, sentado, vendo e avaliando os passantes. 

A uva que mais combina com as coxinhas e os petiscos é a gamay. A uva dos beaujolais franceses, que permite tintos leves, fáceis de beber e que devem ser tomados mais para o gelado. São os vinhos com mais estilo de bistrô, de não ter rituais. E um boteco é um bistrô, ou o contrário. Aquele lugar em que se passa com frequência, para um drinque e algo para comer, lugar da convivência descontraída e sem regras.

Encontrei um par perfeito formado pelo escondidinho de carne seca e um gamay. Com coxinhas cremosas, eu até prefiro um branco. Insisto nos rieslings, apesar de riesling nunca colar. As pessoas olham aquelas garrafas compridas (formato que se chama renano) e pensam na ressaca de Liebfraumilch que tiveram na adolescência. Uma pena, vou continuar tentando emplacar um riesling bom na vida das pessoas.

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