Luiz Horta

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Luiz Horta

O filé infalível

O que não entra na moda, nem sai, fica ali para quem quiser comer bem

Passei a semana pensando sobre um dilema, meio banal, mas que me incomodou: um restaurante o que é? O lugar em que está, sua comida, a soma dos dois...?

Eu conheço o Freddy tem umas décadas, já mudou de lugar algumas vezes, mas consegue uma proeza: remontou seu ambiente num estilo o segundo império francês contra-ataca, com luzes halógenas num apart-hotel do Itaim Bibi. 

Ambiente do restaurante Freddy, com lustre de cristal e mesas sofisticadas
Ambiente do restaurante Freddy - Mauro Holanda/Divulgação

Mas continua inarredável na cortesia do serviço e não se afasta nada da execução de pratos clássicos, despudoradamente rococós, sem vergonha alguma de apresentar crêpes Suzettes flambados na mesa, filés altos à Chateaubriand, steak Diane.

Não tem o charme da localização do La Casserole, mas com alguma imaginação se pode pensar que lá fora está a margem direita do Sena.

O que não entra na moda, nem sai, fica ali para quem quiser comer bem. Achei minha resposta: um restaurante é sua comida.

É menos comum do que parece esta constância. Alguns restaurantes mudam de cara e entram em declínio, pois o endereço, o entorno, eram parte de sua expressão, como o Acrópoles fora do Bom Retiro, que não foi reconhecido pelos frequentadores.

O Rei do Filet (conhecido como Filet do Moraes) não sei como anda, mas fui uma vez na alameda Santos e era outra coisa. Já o Ponto Chic vive bem sua duplicidade (a palavra exata é bilocação) no largo do Paissandu e no Paraíso. Não tem fórmula, nem explicação.

Enquanto remoía ideias, comer sozinho é levar sua cabeça para passear, não me decepcionei com o belo steak au poivre e batatas ao creme, ah, este gratin dauphinois quase me desvia a atenção da carne, comfort food de enciclopédia. Posso jantar só ele.

Normalmente eu recomendaria um vinho da região de Bordeaux para esta alegria, mas decidi por um sul-africano. As batatas cremosas e amanteigadas, a carne, o vinho, isto tudo é um prazer guloso que eu chamaria de harmonização tântrica.

Como explicar os vinhos feitos com syrahs, cabernets e merlots da África do Sul? Não é pinotage que se produz lá? Quando um país está se firmando no mundo dos vinhos ajuda bem ter um carro-chefe, a bandeira de uma variedade de uva. 

A Argentina teve a malbec, o Chile a  carménère, o Uruguai a tannat e a África do Sul, a pinotage. Mas, depois que se firmam na memória do consumidor como origem de bons vinhos, esses países começam a ficar prisioneiros destas mesmas castas que foram suas abre-alas.

A pinotage é uma uva criada em 1925, um cruzamento de pinot noir com hermitage (conhecida na Europa por cinsault). Já deu o que tinha que dar. 

Na África do Sul, há excelentes tintos feitos à base de cabernet sauvignon e syrah, brancos maravilhosos de chenin blanc (que devia ser a uva símbolo sul-africana), vinhos doces excelentes e as pessoas só pensam em pinotage quando falam no país.

 

FREDDY
onde: r. Pedroso Alvarenga, 1170, Itaim Bibi, tel. 3167-0977
quando: seg. a sex., das 12h às 15h e das 19h às 24h; sáb., das 19h às 24h; dom., das 12h às 17h.
 

Ouse uma uva

Chenin blanc quase ninguém conhece, é cultivada no Vale do Loire, sua origem, em escala cada vez menor e deu muito certo na África do Sul. Swartland então, a região, ninguém sabe apontar no mapa, mas gerou um “buzz” considerável nos últimos anos entre os enosabichões.

Quando estive na África do Sul, tentei visitar Chris Mullineux e o vinicultor me respondeu cordial por email: “se quiser vir almoçar terei muito prazer, mas tenho zero garrafas para vender”.

Fui à melhor loja de vinhos da Cidade do Cabo e consegui duas. Depois, num restaurante estrelado, provei mais três. O que acontece com seus vinhos? A resposta é fácil, ele é um produtor cultuado, seus vinhos são deliciosos, os sommeliers nova-iorquinos gostaram, e quando isto acontece, some tudo.

Meu coração disparou quando vi que a Wines4you, importadora nova, conseguiu trazer quatro dos seus rótulos e mais três de outro produtor da mesma região que não conhecia, o Mount Abora. 

O Saffraan é um daqueles vinhos dos grandes goles, descomplicado e generoso, puro cinsault, refinado. O Mount Abora Koggelbos é um chenin intenso, propositalmente concentrado sem ser corpulento, que sussurra bacalhau para fazer companhia.

Os Kloof Street de Mullineux, branco (chenin) e tinto (syrah, cinsault, carignan, tinta barroca e grenache) são num estilo límpido e bons de beber. Não consigo disfarçar meu entusiasmo, não é?

 
 
Garrafas de vinho sugeridos pelo colunista Luiz Horta
Vinhos sugeridos pelo colunista Luiz Horta - divulgação

www.wines4u.com.br 
* valores de referência

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.