Luiz Horta

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Luiz Horta

Capivara aposta em cozinha íntima que faz cliente se sentir em casa

Restaurante da Barra Funda não tem cardápio fixo só abre para jantar

Estava azedo pela lista de melhores restaurantes do mundo. Foi no dia da divulgação da coisa, só se falava nisso nas redes sociais. Pensei em discutir sobre o valor de listas e outros aborrecimentos, da impossibilidade destas avaliações planetárias (melhor tailandês da Via Láctea, inventei com mordacidade a categoria). Mas não queria estragar meu jantar, nem a coluna. Queria comer para fugir do vedetismo dos restaurantes pensados para ganhar prêmios, do afã de celebridade, coisa que o escritor americano William Gaddis definiu como “a corrida pelo segundo lugar”.

Lembrei do Capivara, na Barra Funda. Um lugar tranquilo, no ritmo mais antipompa possível, e de cuja comida só ouvi belezas das pessoas em quem confio. A Barra Funda ainda não morreu, tem meu sonho de moradia, que seria um galpão enorme, e tem este “bar”, onde a comida é o que importa.

O restaurante tem várias peculiaridades: não tem cardápio fixo, pratica a mais radical cozinha de mercado, só abre para jantar, o cardápio do dia é postado no Instagram por volta das 17h e é servido a partir das 19h, sem reservas. Tem que ver e zarpar para lá. 

Olhei o do dia, parecia apetitoso, chamei o táxi. Cheguei antes de todo mundo, nem tinha aberto. Uma outra ilha, como a Aclimação em que moro: São Paulo antiga.

Uma cozinha pequena, com uma equipe minúscula. Nada mais agradável que ver os pratos saindo com calma e exatidão. Provavelmente (não quero cometer injustiças, mas por mais que pense, é a verdade) a melhor refeição que fiz neste ano.

O chef, Rodrigo Felício, vem bater papo na calçada, a rua tranquila como uma cidade fora do tempo. Trabalhou no Ritz (o hotel de Paris) e no La Bigarrade, onde a ideia de apenas cozinhar o que está bom no dia ficou como meta.

Não faz concessões: fecha três dias por semana, não serve nada que não gosta e quando acaba, acabou. Conversar com ele depois de comer tão bem foi me sentir em casa, de volta a um lugar sonhado, onde o trabalho é uma forma de arte —quando artesão e artista tinham o mesmo valor.

O que comi foi atum em caldo de frango com bottarga e gema crua. Depois, língua com portobello e o peixe prejereba com creme de batata e avelã. Soa simples anunciado assim, e foi o dia em que estive mais perto de Paris nos últimos meses. O moço é um ás nos caldos, nos peixes praticamente crus e fresquíssimos, no abraço reconfortante do purê. Se fosse do lado de casa, iria sempre que conseguisse um lugar.

A sobremesa foi creme fresco, com favo de mel e compota de nêsperas. Quando chegou o carro para voltar, garoava. A cidade cinza. Até me reconciliei com São Paulo. Ela ainda é capaz de alegrar. 

CAPIVARA
Onde: R. Doutor Ribeiro de Almeida, 157, Barra Funda
Quando: de seg. a qui., das 19h às 23h

 

NOVOS VINHOS (PARA MIM)

O melhor é experimentar coisas de que nunca se ouviu falar. O sommelier do Capivara (o lugar é tão deliciosamente informal que ele não merece este título, é mais um parceiro dos vinhos que quer mostrar boas garrafas) trouxe um Era dos Ventos, do sempre excelente Luís Henrique Zanini, mais conhecido pelos seus Vallontano e pelo primeiro vinho laranja brasileiro, feito de uva peverella (posso estar falando besteira, mas foi o primeiro que provei na vida, lá na Serra Gaucha, anos atrás).

No meu jantar, bebi o Trebbiano on the Rock, que pareceu meio murcho no princípio, mas quando encontrou a comida, virou outro e fez companhia a todos os pratos.

Provei também um tinto gostoso, aromático, delicado, o Tinto (nitanto) de Juan Ledesma. Já esperando o táxi, na rua, bem no espírito capivaril que me encantou, o sommelier veio com uma taça de chardonnay feito ao modo dos laranjas (as uvas fermentam com as cascas longamente, o que dá um corpo mais denso e uma alma de tinto aos vinhos, explicando fácil, na tentativa de não ser enochato).

O taxista me olhado com um “lá vem bebum me dar trabalho”, esperando ali eu terminar de experimentar o vinho e quase entrar no carro com taça na mão. Fiz cara de naturalidade e enfrentei a pagação de mico. A Barra Funda realmente é diferente.

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.