Luiza Duarte

Correspondente na Ásia, doutora em ciência política pela Universidade Sorbonne-Nouvelle e mestre em estudos de mídia pela Universidade Panthéon-Assas.

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Luiza Duarte

A classe média chinesa quer mais

Com maior poder de compra, chineses agora querem tempo

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Não é raro ver escritórios acesos de madrugada ou receber emails de trabalho no domingo. Lojas abertas até às 23h, supermercados e restaurante que viram a noite, serviços 24h.

As hipercidades chinesas não descansam. Um vídeo no Weibo, o Twitter chinês, mostra o metrô lotado com a volta para casa às 22h e empresas funcionando às 4h da manhã, em Pequim.
 
O “sistema 996” —das 9h da manhã às 9h da noite, seis dias por semana— virou alvo de uma campanha online. A cultura da hora extra vai além das empresas de tecnologia, onde os funcionários foram os primeiros a reclamar da rotina exaustiva e da pressão por produtividade.

Funcionários trabalham em unidade da Foxconn Technology Group em Shenzhen, no sul da China
Funcionários trabalham em unidade do grupo Foxconn Technology em Shenzhen, no sul da China - Mao Siqian -22.fev.2019/Xinhua

A economia chinesa desacelera e companhias estão se reorganizando e demitindo. Jovens nas grandes cidades não conseguem juntar o suficiente para comprar uma casa, e cresce o endividamento.

Mesmo assim, a classe média chinesa segue sua trajetória de expansão. Essa parcela da população, hoje, apesar das disparidades metodológicas existentes nessa definição, tem mais de 400 milhões de pessoas.

A China tinha mais de 17% da população vivendo abaixo da linha da pobreza em 2010, segundo o padrão chinês. Sete anos depois, o número caiu para 3%.

O aumento do poder de compra da classe média urbana é visível no desperdício de comida nos restaurantes, nos clientes que estocam produtos e fazem compras com malas ou nas filas na porta de lojas.

O milagre econômico chinês, com a gradual abertura do país, exigiu o sacrifício da geração passada. Dedicação e disciplina são valorizadas, mas a nova geração no mercado de trabalho tem outras demandas.

No projeto ​996.ICU (que significa "trabalhe 996 e vá parar na UTI") criado na plataforma Github, desenvolvedores chineses disponibilizam cartas abertas para serem enviadas para governos locais sobre a jornada excessiva de trabalho, lista de empresas que encorajam a prática e guia de direitos trabalhistas, para quem pretende abrir um processo. 

Mais de 100 companhias foram listadas em um chamado para que as horas extras, além das 40h semanais, sejam remuneradas como manda a lei. O objetivo é pressionar empregadores a aplicar a legislação atual e não propor novas proteções ou benefícios.
           
O 996 é uma exigência não escrita —quem não se submete ao modelo acaba sendo substituído dentro das empresas. ​A jornada excessiva nessas cidades verticais alimenta depressões, suicídios ou mortes por excesso de trabalho, uma realidade também na Coreia do Sul e no Japão.
 
Na semana passada, o governo fez do 1º de maio um feriado de 4 dias seguidos. O número de folgas anuais não aumentou, porque houve compensação em outras datas, mas o prolongamento foi pensado para estimular o consumo interno em tempos de guerra comercial com os EUA.

A publicação chinesa ChinaDaily defendeu que a semana de ouro era para "cumprir exigências do povo chinês de uma vida melhor, incluindo o crescente desejo de desfrutar de férias de qualidade, tanto em casa, quanto no exterior".
 
De fato, os chineses viajam mais e cada vez com mais frequência, movimento acompanhado pelo rápido desenvolvimento do sistema ferroviário e pela multiplicação de aeroportos e voos.

Viver para trabalhar, viver sem tempo também tem contribuído para que muitos desistam de ter filhos.

Dentre os estímulos do governo para conter os indicadores decrescente de natalidade está garantir que chineses possam passar mais tempo em casa. Nos últimos dois anos, licenças parentais foram ampliadas na China, em Hong Kong e em Singapura.
 
O nítido apetite por tempo livre vem sendo ouvido.

A imprensa estatal chinesa, nas últimas semanas, vêm publicando defesas em favor de mais licenças remuneradas e flexíveis, condenou o 996 como ilegal e chegou a reconhecer que é quase impossível para funcionários fugirem desse mecanismo.

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