Luiza Duarte

Correspondente na Ásia, doutora em ciência política pela Universidade Sorbonne-Nouvelle e mestre em estudos de mídia pela Universidade Panthéon-Assas.

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Hong Kong vista pelas lentes distorcidas da China

Em paralelo aos conflitos nas ruas, uma batalha online de desinformação é travada

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No almoço, o publicitário de Pequim conta que adora Hong Kong, principalmente os bairros mais ocidentais da ilha principal. Visita ao menos três vezes por ano a trabalho.

Reticente, diz que acha algumas das demandas dos manifestantes do território chinês bastante razoáveis: salários mais competitivos, moradias mais acessíveis e melhores perspectivas para os jovens.

O que ele não pode admitir são os vândalos que ameaçam a soberania da China sobre o território. E a lei de extradição? Sobre essa lei ele nunca ouviu falar e se desculpa constrangido.

Nas redes sociais e na imprensa estatal se desenrola uma batalha pela narrativa sobre os protestos, que já duram mais de dois meses. Versões contestáveis, rumores, imagens manipuladas e robôs espalham desinformação online com extrema rapidez.
 
Se a insatisfação com o aumento do custo de vida em Hong Kong de fato afeta os jovens e é ingrediente para uma mobilização tão ativa, pautas econômicas não estão entre as cinco demandas centrais dos protestos. Por outro lado, a retirada completa do projeto de lei de extradição —que permitiria que pessoas fossem julgadas na China— foi o disparador dessa crise política de grandes proporções.
 
Manifestantes também não estão nas ruas para pedir a independência de Hong Kong e o fim do domínio chinês, longe disso. O protesto têm pautas conservadoras, e os ativistas querem apenas a manutenção do status de autonomia de Hong Kong e que Pequim cumpra o que já havia prometido anos antes: o voto universal direto para eleger o mais alto representante do governo local.
 
Em um primeiro momento, a China tentou conter notícias dos protestos em Hong Kong. A imprensa estatal evitou o assunto o quanto pôde.

Em seguida, adotou outra estratégia: focar episódios de violência e o transtorno causado por paralisações e passeatas, sem abordar as demandas dos manifestantes. Nessa lógica, estabilidade é apresentada como sinônimo de prosperidade. O governo local faz sua parte batendo na tecla de que a longa duração dos protestos vai gerar prejuízos econômicos para todos.
 
Pequim denuncia que potências estrangeiras estão financiando e incitam os protestos. Não seria algo jamais visto na história, e turbulência nas portas da China interessa a competidores. Ainda assim, desde 2014 o caldeirão social de Hong Kong ferve e há elementos suficientes para justificar uma mobilização horizontal e orgânica.

Teorias conspiratórias se multiplicam online, mas têm como ponto de partida o apoio concreto e oficial de câmaras de comércio estrangeiras e grandes empresas em Hong Kong que temiam o impacto da mudança jurídica nos negócios. EUA e União Europeia manifestaram preocupação em relação à mudança legislativa, e lideranças internacionais vêm condenando a repressão aos protestos.

Pessoas isoladas nas manifestações carregam bandeiras dos Estados Unidos e do período em que Hong Kong foi colônia britânica, oferecendo elementos visuais para apoiar as mais diversas especulações da web.
 
Publicações do governo chinês dão ênfase a encontros entre representantes americanos e parlamentares pró-democracia em Hong Kong e exploram o fundo de disputa da guerra comercial entre as duas maiores economias do mundo.
 
Nos últimos dias, a China passou a enviar repórteres para cobrir as manifestações em Hong Kong. Um deles esteve no centro de uma violenta disputa no aeroporto internacional do território essa semana.

Um dia depois de o governo ter admitido o uso de policiais à paisana nos protestos, um jornalista da publicação estatal chinesa Global Times foi agredido por manifestantes por ter sido visto com um agente do governo chinês.

Uma campanha de propaganda chinesa com vídeos de exercícios e equipamentos militares ganha força.

Canais estatais veiculam coletâneas de imagens que mostram ações violentas de manifestantes, muitas fora de contexto ou com edição tendenciosa. Assim, criam um cenário no qual uma intervenção da China seria justificável e necessária.

Ações em Hong Kong foram agora taxadas de apresentar “sinais de terrorismo”. Só o Exército lida com isso. É tão grave que é a primeira vez que a China usa esse termo para se referir a conflitos no seu território que não envolvam uma minoria étnica, como nos casos do Tibete e de Xinjiang.

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