Luiz Felipe Pondé

Escritor e ensaísta, autor de "Notas sobre a Esperança e o Desespero" e “A Era do Niilismo”. É doutor em filosofia pela USP.

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Luiz Felipe Pondé

Congonhas

Adoro ver os idiotas da tecnologia usarem o termo sociedade paperless

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Todo mundo que viaja muito acaba por se sentir um pouco em casa em aeroportos. Um misto de irritação com familiaridade se constitui nesse hábito de estar ali muitas vezes. 

 

Justamente por esse hábito aprendi a respeitar e a reconhecer o valor dos aeroviários e aeroportuários, categorias silenciosas, elegantes e (quase sempre) atenciosas. Sem eles o mundo para. O custo operacional é altíssimo e, no Brasil, com os maus tratos que o Estado dispensa às companhias aéreas —aliás, como a quase todas as empresas— piora ainda mais o dispêndio.

Gostaria, hoje, de tocar em dois pontos do cotidiano do aeroporto de Congonhas. O primeiro é diretamente ligado à figura do burocrata gestor. Este personagem kafkiano é mais perigoso do que o simples burocrata e seu poder é mediado por carimbos, papéis, assinatura, e, agora, cadastros, arquivos e emails. Adoro ver os idiotas da tecnologia dizerem que a “sociedade paperless” (termo brega toda vida) seria livre da burocracia. Ao contrário, piorou, porque trouxe as “novas tecnologias” para dentro da poder paralisante da burocracia.

Ilustração para a colune de Luiz Pondé de 20.05.2019
Ricardo Cammarota

A verdade é que a nova organização de táxis e transporte por aplicativo transformou o inferno familiar que é Congonhas numa nova ordem infernal. Como sempre, as pessoas ficam à mercê dos humores, interesses e teorias mirabolantes que povoam as mentes dos burocratas gestores em seu gabinetes.

Claro que todo burocrata gestor, que de bobo não tem nada, saca do bolso umas pesquisas “científicas” explicando que o melhor modo de “modernizar” as operações é tornar a vida das pessoas mais estressante. 

Sabemos que o mundo contemporâneo marcha para o inferno a passos largos, mas a Netflix e as novas gerações de iPhones e Samsungs nos confundem com suas cores, bichinhos, fotos e hiperaceleração das operações —aqueles dispositivos mesmos que os idiotas da tecnologia pensam ser a prova de que as crianças estão nascendo mais evoluídas e inteligentes. 

Se existissem testes comparativos para medir o grau de agilidade mental entre os sapiens do Alto Paleolítico e nós, a ciência provaria que hoje somos, provavelmente (incluindo as crianças), mais retardados.

Se você quiser fazer um rápido teste para ver se você é um idiota da tecnologia, responda à seguinte pergunta: você acha que o mundo avançou porque existe o iPhone? Se você aceitou a expressão “o mundo avançou” você é um idiota do progresso, mas se relacionou esse avanço ao iPhone você é um idiota da tecnologia. Parabéns!

Agora em Congonhas, embarque e desembarque se amontam no mesmo andar —antes eram divididos entre os dois andares— criando um caos no fluxo dos passageiros, muitas vezes atrasados e correndo para não perderem o voo. Mas, diminuir o estresse da população nunca foi prioridade para o amigo burocrata gestor no seu dia a dia. 

Muito pelo contrário: piorar o estresse parece justificar ainda mais estresse, criado por ele, como uma suposta solução para o estresse anterior. Esperemos para ver se algo será feito no sentido de pôr alguma ordem menos estressante no cotidiano dos passageiros, táxis e transporte por aplicativos em Congonhas ou se a tortura livre das pessoas continuará seu curso.

Por outro lado, um segundo tópico vale nossa atenção, e este nada tem a ver com o burocrata gestor. No mundo inteiro se paga para despachar bagagens há muito tempo. Desde que as companhias aéreas brasileiras passaram a cobrar (aquelas mesmas que vivem espancadas pelo Estado brasileiro e seu gozo mórbido), muitos passageiros, infelizmente, criaram um hábito que tornou o embarque no avião um pequeno inferno à parte.

Passageiros “espertos” resolveram levar para dentro do avião malas gigantescas para não ter que pagar para despachá-las. Resultado: a tripulação de comissários tem que fazer halterofilismo para colocar malas desproporcionais dentro da cabine, criando problemas de espaço e peso dentro da aeronave. 

As companhias aéreas começaram então a medir essas malas antes do raio-x, criando mais estresse (em momentos de pico) no embarque, para obrigar esses “espertos” a pagar pelo despacho das malas fora dos limites. As pessoas que sempre respeitaram as normas de embarque têm que sofrer com a confusão por conta dos idiotas da esperteza.

O descaso para com o estresse da população em Congonhas, e a cara de pau dos cretinos que querem tirar vantagem em tudo, são a cara do Brasil que nos mantém na merda.

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