Luiz Felipe Pondé

Escritor e ensaísta, autor de "Notas sobre a Esperança e o Desespero" e “A Era do Niilismo”. É doutor em filosofia pela USP.

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Luiz Felipe Pondé

Estudantes são como chimpanzés que ficam no centro de um zoológico

Instituições de ensino são espécie de oficinas profissionais, que fingem ser uma plataforma de diversão semelhante à Netflix

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Na mesma medida em que muitas teorias pedagógicas modernas falam que a escola e a universidade devem ter o aluno como centro —e não o professor, como se uma coisa excluísse a outra—, essa posição, na verdade, coloca o estudante como um chimpanzé que fica no centro de um zoológico. E essa é umas das experiências mais difíceis de serem vistas.

Precisamos prestar mais atenção no fato de o marketing, pouco a pouco, se transformar na ciência primeira —como Aristóteles falava da ontologia, a ciência do ser.

O que isso quer dizer? Depois volto ao chimpanzé como centro do zoológico como analogia do aluno na escola.

Ilustração ponde
Ricardo Cammarota

Dizer que o marketing se transforma na ciência primeira é constatar que suas narrativas determinam todo o resto do pensamento e da ação. Por consequência, influenciam na maneira como vemos o mundo, o que devemos fazer nele e o que valoramos nele.

Tomar o marketing como ciência primeira é ver os alunos como um produto, fingindo que os enxergamos como um valor em si. O estudante deve ser formado apenas para as demandas do mercado, mesmo que empacotemos esse discurso com termos como “integração socioemocional”.

O grande truque é dizer que queremos atender a esses jovens que precisam escolher o que querem da vida. Essa máxima é uma mentira, pelo menos em dois níveis distintos, mas relacionados entre si.

No primeiro, os jovens pouco sabem o que querem, mas devem escolher a sua profissão quando ainda não conhecem quase nada. O mito da informação em crescimento como índice de autonomia é uma das falácias que compõem a grande farsa do progresso moral da humanidade moderna. Não há progresso moral nenhum.

Alimentar os jovens com opiniões políticas e causas culturais só serve para esconder a dificuldade que eles têm de assumir qualquer compromisso concreto. E isso vem acontecendo cada vez mais.

Dizer que tudo é fluido é mentir sobre o peso que identidades implicam na sociedade. Não existe gênero fluido, assim como o mundo líquido é patogênico. Isso é papo furado, mas que combina bem com a mentira, segundo a qual tudo muda o tempo todo. Hoje você quer o desodorante A e amanhã deseja a marca B.

O segundo nível da mentira é mais complexo. O discurso da eterna mudança de tudo é picareta. Ninguém consegue lidar com um mundo em mudança constante. E nem lembre de Heráclito, o pré-socrático, o carinha que falava que tudo é devir. Voltemos à realidade.

Mudança contínua gera psicose. Por que ninguém diz isso com todas as letras? Porque é o marketing quem narra a vida como mudança contínua —e hoje ninguém ousa questionar as máximas do marketing como narrativa da história.

Quem não mudar morre. Isso gera mercado para consultores, palestrantes, coaches, aplicativos diversos e o diabo a quatro. Sendo atualmente o marketing a ciência primeira, ele devora também a escola. Basta ver o vocabulário que prega o desapego —outra palavra que está na moda— em relação à velha educação.

Na verdade, as escolas estão passando por uma mercantilização agressiva. O filósofo Theodor Adorno (1903-1969), no seu “Minima Moralia”, escrito nos anos 1940, quando exilado nos Estados Unidos, já indicava esse processo.

Quando, na dedicatória da abertura do livro, ele se refere à vida como sendo algo visto somente como realidade privada, que é arrastada como um apêndice, sem substância qualquer e pela lógica produtiva, Adorno faz um diagnóstico do que ele mesmo chama de “vida degradada”. E a degradação só piorou de lá para cá.

Quando as escolas e as universidades se aliam ao mercado para “saber o que os alunos querem”, travestindo-os de consumidores que escolhem marcas de profissões de sucesso, elas buscam aplicar nesses jovens uma educação que é apenas um treinamento para as funções que, no momento, são demandadas pelo mercado.

As instituições de ensino perderam toda a sua autonomia em relação à formação. São espécie de oficinas profissionais, que fingem ser uma plataforma de diversão semelhante a uma Netflix. O mundo é uma prisão a céu aberto para quem não deseja ser um empreendedor de si mesmo.

Pois bem, voltando ao início deste texto, os alunos são como chimpanzés no centro de um zoológico. A diferença é que as escolas preparam para esses jovens uma jaula bem mais colorida e divertida.

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