Luiz Felipe Pondé

Escritor e ensaísta, autor de "Notas sobre a Esperança e o Desespero" e “A Era do Niilismo”. É doutor em filosofia pela USP.

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Luiz Felipe Pondé

O que o paganismo tem que o cristianismo não tem? Mágica

Religião dos que acreditam em Jesus se tornou excessivamente reflexiva e hoje passa por processo de decomposição

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O cristianismo está em decomposição e dentro de algum tempo será engolido pelo paganismo politeísta, a religião natural do homem. Afirmação forte essa, não? Vejamos.

Fala-se com frequência acerca do mundo pós-cristão, secular, enfim, um mundo —principalmente no Ocidente, claro— em que o cristianismo, depois de dominar o cenário histórico, estaria sofrendo uma retração como força pública.

O filósofo argentino Silvio Juan Maresca, no seu ensaio “Cristianismo y Paganismo”, parte da coletânea “La Religión en la Época de la Muerte de Dios”, ou a religião na época da morte de Deus, organizada por Leandro Pinkler e publicado pela Marea Editorial em 2005, prefere descrever o processo pelo qual passa o cristianismo como uma decomposição.

É nessa decomposição, e portanto a partir do próprio cadáver, que ele se abre ao retorno do paganismo.

Ilustração para a coluna do Pondé do dia 01.fev.2021
Ilustração - Ricardo Cammarota

A definição de religião trabalhada por Maresca segue uma tradição existencial da filosofia. Segundo ela, a religião é uma resposta à inconsistência ontológica do homem e do mundo, isto é, somos insuficientes diante de uma realidade monstruosamente —e belamente— indiferente a nós. Somos frágeis. Precisamos de suportes para resistir à vida. O debate aqui é vasto, e não vou adentrar nele hoje.

O que me chama a atenção nessa ideia de decomposição do cristianismo de Maresca é a afirmação de que o paganismo seria perene porque ele atende de forma muito mais satisfatória aquilo que o homem busca numa religião.

O que o paganismo tem que o cristianismo não tem? Podemos incluir outros monoteísmos aqui, se quisermos. Que inteligentinhos cristãos não venham me acusar de “cristofobia”. O cristianismo acabou por criar muitos problemas para si próprio ao se tornar excessivamente reflexivo. E as pessoas, quando buscam a religião, querem, no fim do dia, e como está na moda dizer, mágica.

Um dos becos sem saída, proposto antes pelo judaísmo, é a ideia de que Deus é bom. O cristianismo foi mais longe e o tornou equivalente ao amor. Com esse passo, precisou inventar modos mágicos —ou proféticos— de explicar o fato, indiscutível, de que o mundo é bem ruinzinho para ser fruto de um Deus tão bonzinho.

O cristianismo sobreviveu ao paganismo antigo greco-romano e “bárbaro” europeu, mas o paganismo nunca saiu dele. A própria literatura apocalíptica, e suas mágicas cosmológicas sobre o fim do mundo, nada mais é do que uma cosmogonia reversa.

O grego Hesíodo, que escreveu cosmogonias gregas clássicas, poderia escrever livros como o “Apocalipse”.

Os milagres de Jesus, como o da multiplicação da comida e da bebida, o andar sobre as águas, ou ainda a ressurreição de Lázaro e de si mesmo, nada mais são do que expectativas mágicas do paganismo aplicadas ao cristianismo.

Hoje a decomposição do cristianismo implica a dissolução do seu núcleo teológico (um Deus ao mesmo tempo único e trino, a ética, a recusa da mágica como herança do judaísmo) em formas contemporâneas de paganismo.

Quer exemplos?

Ecocristianismo, expectativas reencarnacionistas, cirurgias espirituais, abertura a outras narrativas religiosas concorrentes, numa espécie de politeísmo inconfesso, sessões de “desobsessão espiritual” em templos evangélicos, o hibridismo com religiões de matriz africana, um Jesus que combate a ganância dos capitalistas, como um Apolo que defende uns gregos contra outros, enfim, são muitos os sinais e sintomas do paganismo.

A avançada arqueologia da religião na pré-história parece indicar que não existe nenhum acúmulo gradual de práticas religiosas que iria de fragmentos de comportamentos religiosos à formação de grandes religiões. O Homo sapiens pode praticar rituais e de repente abandoná-los.

Portanto, não há um clímax de evolução religiosa. Pensar que ele existe é já pensar religiosamente. Aqui também andamos em círculos.

O paganismo politeísta é muito mais vocacionado ao convívio com outras crenças e, de certa forma, as pressupõe. Ele supostamente encanta a natureza com energias, que, paulatinamente, devoram a pobreza mágica do cristianismo oficial. A mágica da ressurreição já está muito longe no tempo. As pessoas querem ressuscitar agora. Querem viver num mundo encantado. Jesus deve imitar Zeus.

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