Luiz Felipe Pondé

Escritor e ensaísta, autor de "Notas sobre a Esperança e o Desespero" e “A Era do Niilismo”. É doutor em filosofia pela USP.

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Luiz Felipe Pondé

A felicidade nunca venceu guerras e é pouco empática com a realidade

O Brasil precisa de mais sobriedade e menos gente poderosa brega, menos churrasco na cobertura, e mais silêncio

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A pandemia está pondo em risco o mundo na sua forma parque temático, vigente em toda parte: no ambiente corporativo, no marketing, no coaching, na educação, na política, na geografia do turismo, nas redes sociais. Até o ódio tem seu lugar: o espetáculo dos idiotas militantes.

Tudo é uma festa. O mito do progresso cumpre a função de fundamento filosófico. O marketing digital cumpre a função de motivação psicológica. A dieta cumpre a função de espiritualidade paranoica. A política identitária cumpre a função da violência nos seus efeitos especiais (FX) e nos seus perfis do Instagram. Mas é o consumo mesmo que sustenta a roda rodando.

Bem, a pandemia, na sua insistência em ser, na sua natureza de contingência cega, devasta a forma do parque temático. Onde o deslumbramento é o vínculo social essencial, a contingência mata com mais alegria. O emocionalismo barato da propaganda alimenta a vida no parque temático. E isso tem consequências graves.

Há um impasse de fundo na economia de mercado. Esta precisa de gente alienada na crença da felicidade em potência ao alcance de todos —por isso sua vocação natural, cada vez mais, para jovens ou imaturos tardios. A própria crítica da economia de mercado feita pela esquerda oferece uma outra versão do parque temático.

Mesmo sem você se ferrar suando no mercado, tudo vai tudo dar certo: o Estado paga. Mas, e se a própria atitude mental de crer na felicidade em potência causar dano cognitivo grave? E se os tristes forem mais resilientes em ato, enquanto os alegres vivem no sonho de uma potência que não existe?

Ilustração de Ricardo Cammarota para coluna de Luiz Felipe Pondé, edição de 8.fev.2021
Ricardo Cammarota/Folhapress

“Tristes” aqui não significa deprimidos, mas apenas gente que sabe que, um dia, todos fracassamos, e, portanto, olha com um certo ceticismo as promessas coloridas desse parque temático sem fim. A felicidade nunca venceu guerras e é pouco empática com a realidade.

Vejamos alguns dos danos possíveis. Além de gerar uma pandemia de retardo mental, o parque temático diminui o nível da eficácia da gestão dos riscos. Os Estados Unidos são um parque temático histriônico; a Europa, um com toques de charme; o Brasil, um vira-lata.

O que caracteriza um mundo como parque temático é a ideia de que, ao final, a Mulher-Maravilha resolve. E se não resolver, é por culpa do machismo, do patriarcalismo e da heteronormatividade —
todos conceitos de brinquedo.

Há dano cognitivo em viver numa Disney. Por exemplo, fala-se que a economia é agora colaborativa. Isso significa que a exploração aumentará sob a rubrica “parcerias”. O capitalismo chafurda nas suas entranhas cuja vocação é a exploração em troca da geração de riqueza. A diferença num mundo sob a forma de parque temático é que o mercado agora é “republicano”.

A capacidade para lidar com o fato que só amadurecemos quando entendermos que fracassamos se estreita num mundo Marvel. Há mesmo quem diga que, ao dizer isso, quem o diz “gosta do fracasso”.

Risadas?

A gestão pública sofre muito no mundo sob a forma de parque temático. Uma das razões para os países ocidentais, em grande maioria, inclusive a chique União Europeia, estarem levando um cacete da pandemia e para a má ou gananciosa gestão da vacinação em escala —com honrosas exceções como Israel e o Reino Unido— é o fato de que os quadros de gestão do Estado são compostos por gente ruim, incompetente, arrogante, que não tem estômago para enfrentar o massacre que é o mercado. Quando trabalhar no Estado é uma fuga, a gestão será sempre oportunista.

Alguns países como China, Coreia do Sul, Japão e Singapura têm mandado um tanto bem. Nesse saco de gato tem democracia e não democracia. Uma das razões do “sucesso” é o fato que lá quem trabalha na infantaria do Estado não é refugo. Os cargos são competitivos e os salários são altos. Do lado de cá, a maioria topa ganhar menos em troca de trabalhar menos e ter menos responsabilidade. O parque temático na forma do Estado dá em corrupção gourmet de caráter e de competência.

O Brasil precisa de mais sobriedade e menos gente poderosa brega, menos pagode, menos funk, menos churrasco na cobertura, e mais silêncio.

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