Luiz Felipe Pondé

Escritor e ensaísta, autor de "Notas sobre a Esperança e o Desespero" e “A Era do Niilismo”. É doutor em filosofia pela USP.

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Luiz Felipe Pondé

O capitalismo organiza a vida moral vestindo-a com salto alto para festas

Conhecimento científico, medicina, tecnologia, direitos humanos, tudo custa muito dinheiro

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Hoje, façamos um exercício de olhar filosófico neste novo ano. Olharemos para três objetos de forma filosófica: a beleza, a sociedade de mercado e a política. Esse tipo de olhar se diferencia do senso comum porque carrega consigo um repertório maior do que o senso comum suporta --dá trabalho montar esse repertório, afinal-- e, além disso, não busca agradar ninguém. Querer agradar é para os fracos.

Imagine um casal num restaurante num domingo no almoço. Uma mulher e um homem, a quem você daria mais de 70 anos. Entretanto, você percebe que ambos passaram por várias intervenções plásticas. Os rostos estão esticados, sintecados, inchados, enfim, deformados pela crescente e jovem ciência da beleza.

Na mesa ao lado, outro senhor acompanha a cena e fala: "Por Zeus, por que fazem isso?". Você coloca o Google Tradutor em ação e descobre que ele falou em grego ático.

Enfim, seu celular acaba por lhe informar que essa pessoa é Platão (427-347 a.C.) em carne e osso. Emocionado, tem o impulso de levantar-se, ir até ele e pedir uma selfie.

Para Platão, a beleza é uma forma perfeita, imaterial e eterna. A matéria participa dessa beleza na forma da natureza e dos corpos. Portanto, o que vemos no corpo de alguém que nos atrai é essa ideia plena da beleza mesma.

ilustração
Publicada no domingo, 2 de janeiro de 2022 - Ricardo Cammarota

Entretanto, Platão nos adverte que o corpo, sendo matéria, não suporta a beleza pura e eterna --porque a matéria, sendo imperfeita, degenera.

Sabemos que para o grego a sabedoria está em buscar a beleza da alma, em mim e nos outros, pois a alma é essa realidade em nós que habita o corpo --a matéria-- e o mundo das ideias plenas, perfeitas e eternas, ao mesmo tempo.

O que aquele senhor grego da mesa ao lado estava vendo, horrorizado, era a tentativa vã de retermos a beleza num corpo que não suporta a eternidade. Portanto, a beleza abandona o corpo.

O que o Platão viu foi o ridículo --o oposto da beleza-- de um corpo em degeneração que ignora o fato que, com os anos, o belo possível é o da alma, que, aliás, se revela sempre mais permanente, apesar de difícil acesso. Uma intervenção plástica qualquer sempre custa mais barato do que qualquer forma consistente de sabedoria.

Discute-se muito a sociedade de mercado --ou o capitalismo, como queira. Liberais afobados correm a afirmar as evidentes vantagens do capitalismo no que se refere à produção de riqueza em todos os sentidos. Conhecimento científico, medicina, tecnologia, direitos humanos, tudo custa muito recurso. Apesar da afobação dos liberais, eles não deixam de ter razão nesse aspecto.

Entretanto, se convidássemos Adam Smith(1723-1790) para um desses programas em que especialistas discutem economia e similares, ele provavelmente destoaria de grande parte da discussão.

A questão é que Smith traria aspectos que podemos chamar de morais quanto ao desenvolvimento da riqueza e seu acúmulo. Simplificando, para Smith há um risco moral no desenvolvimento das sociedades comerciais na medida em que elas, no final do dia, se alimentam e alimentam sentimentos morais duvidosos. Ganância, egoísmo, mentira, competição desenfreada.

Claro que nada disso nega o que os liberais afobados afirmam. Entretanto, a sociedade de mercado mente sistematicamente sobre essa realidade de fundo, enquanto avança no estrago generalizado dos sentimentos morais que dão sustentação à vida comum. O capitalismo organiza a vida moral miserável, vestindo-a com salto alto para festas.

E a política? Se um jornalista especializado em política perguntasse a Nicolau Maquiavel (1469-1527) o que ele pensa da política atual aqui e no mundo, ele responderia em poucas palavras: toda política é sobre violência, não se enganem. O político quer o poder e pronto.

Estando na mesma coletiva, Alexis de Tocqueville (1805-1859) lembraria ao nosso jornalista que os representantes sempre esquecem dos representados e trabalham apenas para a sua própria classe.
Mesmo aqueles que vendem a ideia de que fazem política para o nosso bem sempre o fazem para eles e seus colegas de profissão, inclusive quando eles estes são da oposição.

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