Luiz Felipe Pondé

Escritor e ensaísta, autor de "Notas sobre a Esperança e o Desespero" e “A Era do Niilismo”. É doutor em filosofia pela USP.

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Luiz Felipe Pondé

Digitalização radical dos bancos transformou o cliente em indesejável

A população mais velha é que sente o peso claro da desumanização nas relações com os bancos

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Sei que muitas empresas instituíram departamentos de diversidade. Parabéns. Sem dúvida, para grupos que têm estado fora da cadeia produtiva e de incentivos de carreira é uma boa. Alguns consideram esse fato um indício de humanização nas relações corporativas. Não creio. O que há é uma interação entre políticas de branding e ampliação no aproveitamento da população jovem antes excluída.

Não creio que ocorra hoje um processo de humanização nas relações comerciais ou corporativas. Pelo contrário, acho que está em curso uma nova onda de desumanização radical.

No campo das relações com o consumidor, a desumanização salta aos olhos. Banking é o campeão da desumanização na relação com seus clientes. Interessante notar que o uso de uma expressão em inglês como "banking" para as relações entre os bancos e os clientes —além do tom brega de tudo que opta por termos em inglês para ficar melhor no ranço do marketing e do branding— aponta para uma desumanização gourmetizada.

Banking e barbárie  Ilustração realizada em técnica digital em uma cor preta chapada sobre fundo branco. A imagem horizontal mostra três quadrados, lado a lado, do mesmo tamanho. Da esquerda para a direita, o primeiro quadrado é uma montagem de partes e detalhes de logomarcas sobrepostas (que se assemelham a logomarcas de bancos). O segundo quadrado é um código imaginário de barras QR Code. O terceiro quadrado é um labirinto.
Ilustração para a coluna de 27 de março de 2022 - Ricardo Cammarota

Falar em banking é como se sua relação com o banco tivesse entrado numa nova era de luz, felicidade e realizações. Basta ver a dimensão solar dos comerciais de banking. O mundo nunca foi tão lindo. Meninos, meninas e menines jovens brilham sob a luz do futuro que emana dos aplicativos dos bancos nos seus celulares. Tudo funciona e todo mundo é feliz. Atendimento 36 horas por dia.

Houve de fato uma disrupção, como gostam de dizer no mundo corporativo, nas relações entre bancos e clientes. Fruto da digitalização radical dos bancos, essa disrupção transformou o cliente num elemento indesejável no cotidiano dos bancos. Um pouco como os alunos já são no cotidiano do sistema de educação: um elemento indesejável, ainda que necessário, na burocracia do MEC, da Capes e do mercado.

No caso do banking há um corte geracional significativo no processo de desumanização em curso. Os mais jovens, acostumados ao mundo digital e aos maus-tratos deste, travestidos de revolução tecnológica colorida, não sabem como era quando falávamos com seres humanos. Não gostam dessa atividade de conversar quando estão fazendo uso do setor de serviços —preferem algoritmos e mensagens.

O banking para eles é normal: não ter ninguém para falar é o melhor dos mundos possível. E se o aplicativo dá pau, tudo bem, esse é o "novo normal" —expressão idiota.

A população mais velha é que sente o peso claro da desumanização nas relações com os bancos. Gerentes que na verdade não existem, aplicativos pouco friendly para quem tem mais de dez anos de idade. A cada dia quatro novas senhas são necessárias, e se você precisar falar com alguém, uma IA meio burra lhe atenderá mal. E caso, enfim, você chegue a um humano, ele não será muito melhor do que a IA meio burra. A pessoa repetirá frases e protocolos e reenviará você para algum aplicativo a mais.

Mas tudo bem, porque além do fato de esse mal-estar não passar de chilique de gente velha, logo morrerão, o banking seguirá seu glorioso curso de rupturas tecnológicas coloridas.

Um dos maiores argumentos usados pelo banking para saturar as relações com distanciamento, indiferença e ferramentas digitais desumanizadoras é a falsa afirmação de que tudo isso é para segurança dos clientes. Mas, como tudo hoje na comunicação corporativa, esse argumento é falacioso. Uma mentira. Por quê?

Simplesmente porque os mecanismos digitais de travamento dos processos estão a serviço dos próprios bancos e suas seguradoras que valem bilhões de dólares. Os bancos, e suas seguradoras, sim querem se proteger dos riscos que são os clientes e da possibilidade de ter que ressarci-los em caso de sinistros.

A comunicação dos bancos hoje é o maior exemplo das mentiras comportamentais que o capitalismo lança mão no seu momento mais glorioso, em que tudo, mesmo a esquerda, mama em suas tetas.
Mesmo que serviços de atendimento ao consumidor existam, todos eles são uma caricatura da realidade.

Não servem para nada. A desumanização no importante setor de serviços é um sinal do futuro que nos espera. Só idiotas de mercado não veem isso.

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