Luiz Felipe Pondé

Escritor e ensaísta, autor de "Notas sobre a Esperança e o Desespero" e “A Era do Niilismo”. É doutor em filosofia pela USP.

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Luiz Felipe Pondé
Descrição de chapéu

Platão seria acusado de defender um patriarcado gay lesbofóbico hoje

Em 'O Banquete', filósofo despreza homens que gostam de mulheres e exalta a virtude do desejo homossexual masculino

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O diálogo "O Banquete" do Platão é conhecido como sendo o diálogo sobre o amor ou Eros. Seu trecho mais conhecido é aquele em que Sócrates, relatando a conversa que tivera com a estrangeira Diotima, expõe aquela que ficou conhecida como a teoria platônica do Eros.

Como todo diálogo platônico, são muitos os personagens, homens que de fato existiram e faziam parte da elite ateniense: médicos, dramaturgos, homens públicos, homens de posses. Platão mesmo era membro de uma das famílias mais poderosas de Atenas.

Muitos consideram a teoria do amor em Platão uma teoria mística sobre o conhecimento, visto que o amor verdadeiro, leia-se, aquele exposto por Sócrates, seria o amor pelo conhecimento, pela sabedoria, enfim, pela filosofia. O filósofo Sócrates —objeto de desejo ardente de Alcebíades, um dos participantes da celebração—, é dado como sendo o mais pleno amante. Mas, para além da teoria do amor de Platão, há elementos significativos no diálogo, que impedem que o reduzamos a um "mero" texto metafísico sobre o amor.

A ilustração foi executada manualmente conferindo ao acabamento da ilustração, figurativa, passagens manchadas nos limites das formas e contornos difusos, com cores intercaladas entre si. A arte foi executada em técnica pastel oleoso com finalização de pincél aguado, proporcionando um acabamento próximo a pintura à óleo. Cores predominantes: vermelho, rosa, verde e cinza. A Imagem, na horizontal, trata-se de uma interpretação artística e bem estilizada de um detalhe de uma pintura histórica de Jacques-Louis David, 1787 - “La Mort de Socrate, neoclassicismo. Da esquerda para à direita,  um corpo verde de vestido vermelho com o braço estendido e uma taça na mão oferecendo uma outra figura, ao centro, dorso e corpo verde, com tecido branco em torno do corpo. À direita, um braço verde com a mão sobre a perna da figura central. A imagem, muito estilizada, não mostra os rostos dos personagens.
Ilustração de Ricardo Cammarota para coluna de Luiz Felipe Pondé de 8.ago.2022 - Ricardo Cammarota

Um elemento que aponta para costumes de época é o fato evidente de que estão num jantar cercado por servos. "Recostam-se" para comer e beber, o que revela um hábito estranho ao nosso tempo que é aquele de comer e beber, aparentemente, deitados.

Poderíamos imaginar a cena de amigos que jantam festivamente enquanto levam um "papo cabeça" sobre, afinal, o que seria o amor verdadeiro. Estabelecem uma espécie de competição —e pela forma natural como aceitam a proposta, indica que deveria ser algo comum em situações como aquela —para ver quem faria o melhor discurso sobre o amor.

Outro elemento importante é que o amor pelo corpo e pela alma do amado no texto aparece como marcadamente homoafetivo. Trata-se de um texto que exalta a virtude do desejo homossexual masculino. Ainda que referências poucas apareçam falando de amor entre homens e mulheres —e uma única entre duas mulheres—, tanto o amor heterossexual quanto o amor entre duas mulheres carregam um tom medíocre.

O amor superior parece ser, quando envolve o que chamaríamos de "amor paixão", ou mesmo o "amor pela alma do amado", aquele entre dois homens. O amor entre dois homens é muito superior ao amor entre um homem e uma mulher ou entre duas mulheres.

Num dado momento a conversa gira ao redor do mito segundo o qual a raça humana seria originalmente composta por corpos circulares que unia duas pessoas numa só. Ao serem cortados ao meio, aqueles que eram compostos de um homem e uma mulher, seriam os heterossexuais, nos termos atuais, —maioria comum segundo o texto, e que se ocupam com o casamento, que era uma lei, e a reprodução. Aquelas que eram compostas de duas mulheres, seriam as lésbicas, como dizemos hoje, as "amiguinhas" no texto, termo claramente pejorativo. Aqueles que eram compostos de dois homens, os superiores, mais corajosos, másculos, seriam os homossexuais masculinos.

Percebe-se claramente um desprezo pelo "homem comum" que gosta de mulheres. No foco, um desprezo ainda maior pelas mulheres enquanto tal. Um traço que se depreende do texto é a ideia de que os homossexuais são os mais másculos.

Se olhamos desde a nossa época, ou mesmo desde a Idade Média europeia, vê-se um deslocamento em que o homem que deseja outro homem deixa de ser visto como másculo e passa a ser visto como "efeminado" e, por isso mesmo covarde, como as mulheres eram vistas. Um incapaz para as responsabilidades masculinas, entre elas, a coragem diante do perigo.

Não será pouco insistir que o texto não pode ser assimilado, por parte de um leitor apressado do século 21, a uma simples defesa platônica da pauta LGBTQIA+ desde a Grécia antiga, pois como dissemos acima, trata-se do valor do amor entre semelhantes homens, portanto, da homoafetividade masculina e não em geral —o amor entre mulheres é coisa de "mulherzinha".

Pergunta: os idiotas digitais que andam lendo clássicos acima das suas capacidades cancelariam Platão, acusando-o de defender um patriarcado gay lesbicofóbico?

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