Luiz Weber

Secretário de Redação da Sucursal de Brasília, especialista em direito constitucional e mestre em ciência política.

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Luiz Weber

A favretização do STF

Decisões individuais, monocráticas, no plantão, aumentam o risco de captura dos ministros por grupos de interesse mesmo do bem

Prevista no artigo 16º do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (STF), a capa de cetim preto usada pelos ministros esconde um pequeno Favreto. 

Como apetrecho da veste talar (que vai até os calcanhares), acomodado em câmaras internas, o “favretinho” está sempre ali, pronto para se manifestar, se fazer ouvir.

Essa entidade se manifesta no plantão, em decisões monocráticas, de caráter liminar, sempre produzindo grande impacto social, político e econômico. São tomadas longe do plenário, sem debate, sem consenso.

Personagem símbolo desse fenômeno e expressão dessa patologia judicial é o juiz de segunda instância do TRF-4 (Tribunal Regional Federal), Rogério Favreto, que, numa canetada dominical, tentou soltar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Nesta semana, a presidente do tribunal, Cármen Lúcia, psicografou essa entidade. Não chegou a incorporá-la de vez, em sua totalidade e malignidade. Mas o favretinho se fez valer na decisão tomada pela ministra na ADPF 532.

Com boa retórica (e bons propósitos, registre-se), cadência quase poética (“Saúde não é mercadoria. Vida não é negócio. Dignidade não é lucro”), ela interveio no mercado de planos de saúde. 

Não há juiz no mundo que organize todo um mercado. O sistema judiciário amortece impactos, cria diques para corrigir desequilíbrios sociais, mas sempre cria externalidades negativas quando se propõe a demiurgo único de um setor da economia. Pior ainda quando a intervenção é conduzida por um único magistrado.

Noutro dia, o ministro Ricardo Lewandowski, em caráter liminar, suspendeu a privatização de estatais –que costumam ser um fardo para o contribuinte. 

Trabalho acadêmico magnífico narra bem essa –para usar um termo comum aos ministros– “quadra da história”. Publicado na Revista Novos Estudos - Cebrap, em abril deste ano, o artigo “Ministrocracia - O Supremo Tribunal individual e o processo democrático brasileiro”, de Diego Werneck Arguelhes e Leandro Ribeiro, aponta para os riscos dessa (vamos chamar aqui assim, numa leitura vulgar do artigo) favretização do STF.

“Sem o filtro da maioria, a decisão majoritária ou contramajoritária torna-se mais incerta e imprevisível.../ Por fim, em qualquer cenário, esse poder individual descontrolado, combinado a mecanismos de accountability individual inoperantes na prática, amplifica alguns dos perigos associados a instituições independentes. Em especial, aumenta-se o risco de captura de ação de ministros por grupos de interesse ao redor do tribunal”. 

O STF tem a missão de criar mecanismos e repensar rotinas para controlar essa voz interior impulsiva que se manifesta nas entrelinhas das decisões monocráticas, nos plantões, que, se ouvida de trás para frente, parece mencionar um nome... Favreto.

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