Luiz Weber

Secretário de Redação da Sucursal de Brasília, especialista em direito constitucional e mestre em ciência política.

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Luiz Weber

O ministro que falava javanês

STF deve se preparar para uma batalha de comunicação

Brasília

O fuxinês e o fachinês são dialetos desconhecidos que governam os brasileiros. Incompreensíveis para a maior parte da população, são falados no Supremo Tribunal Federal.

O ministro Luiz Fux, do STF, que revogou liminar que concedia o auxílio moradia a juízes - Pedro Ladeira/Folhapress

Há outras línguas vivas naquela reserva, certamente. Afinal, são 11 ministros no tribunal. O que as torna particular (mas sem risco de extinção) é a distância para o português falado.  

Fuxinês, fachinês, gilmarês não são ocorrências isoladas. São expressões de um fenômeno global, o legalese (a língua dos togados, dos advogados).

Há exemplos de textos legais horrivelmente escritos, cheios de jargão, encapsulados em seu narcisismo pedante, em todos os lugares.  

O exemplo a seguir foi extraído do livro “The Curious World of Legalese", de Adam Freedman.  Segue em inglês mesmo, pois desnecessária a tradução para expor o ridículo de certos documentos legais. “Prescribed decisions of the Secretary may be reviewed by prescribed review officers on application, as prescribed, by prescribed persons”.  

É fato que o Direito contribuiu para a evolução da linguagem, com o refinamento do idioma. Mas, hoje, o insulamento linguístico afasta a mensagem do tribunal até mesmo do leitor treinado. Sentenças não precisam vir com emoticons ou dizer “axo que naum” (penso que não) para serem claras. Mas a varíola do latinismo, por exemplo, precisa acabar. 

No final de novembro, Fux determinou a suspensão do pagamento do auxílio-moradia a magistrados. A decisão foi acertada. É assunto que, pelo fardo que decisão anterior do próprio ministro impusera aos contribuintes (estima-se em R$ 3 bilhões), interessa a todos, de leitura obrigatória em casa, nas escolas. 

Tivesse sido escrita em linguajar mais próximo do português, ganharia as timelines das redes sociais. O STF precisa se comunicar melhor para manter seu status institucional numa sociedade que consome notícias e opinião à velocidade de um clique. A TV Justiça não basta mais.

Mas a decisão de Fux foi escrita assim (com edição): “A vexata quaestio (a questão em debate) nestes autos... nos permite concluir primo ictu oculi (num primeiro golpe de vista) que o legislador pretendeu garantir o referido auxílio... Ex positis (diante do exposto), e especialmente diante das recentes leis de revisão do subsídio de ministro do STF revogo, com efeitos ex nunc (daqui para frente), ex vi (por força) do art. 296 do NCPC, as tutelas antecipadas exaradas nestes autos...”  

No STF, cada um tem seu fetiche. Ricardo Lewandowski usou em 89 sentenças (e apenas ele) a expressão “in claris cessat interpretativo” (a interpretação cessa quando a lei é clara). Pelo visto, o ministro não quis ser tão claro.

Celso de Mello aprecia a máxima latina “ad argumentandum tantum”, que significa um simples “só para argumentar”.

Alexandre de Moraes recorre ao ad perpetuam rei memoriam, quando quer dizer que algo deve ser lembrado para sempre. Linguista, psicólogo, cientista cognitivo (seja lá o que isso for), Steven Pinker ensina em seu livro “Sense of Style” que um escritor (juiz, advogado, jornalista...) que sai de seu casulo, que explica os termos técnicos de sua profissão em linguagem simples, usando apenas algumas letras a mais em seu texto, multiplica por milhares de vezes o número de seus leitores. 

É o ponto: a mensagem do STF precisará alcançar mais gente. Apenas se intitular um Poder Moderador é inócuo se a voz do Supremo for abafada.  O Supremo tem um desafio pela frente. Em 2019, conviverá com uma configuração de poder única. Os freios e contrapesos entre os Poderes deverão ser recalibrados. E o recurso à comunicação adequada será variável importante nesse ajuste, nesse novo equilíbrio.  

No Planalto, Jair Bolsonaro, um líder não apenas carismático (Lula já o fora), mas um mestre no uso das redes sociais, todas elas. Um presidente que prega a comunicação direta com os eleitores, sem intermediários. E é nesse fio que os curtos circuitos institucionais podem ocorrer.

No Congresso, novos parlamentares eleitos porque tinham muitos seguidores no YouTube. Esses terão uma voz e penetração social incomuns para membros do Congresso.

Falar claro, com coerência, transparência, preferencialmente de forma colegiada, sem casuísmos, sem chicanas para favorecer esse ou aquele político poderoso que esteja em maus lençóis, é a chave.

Nem toda decisão deverá agradar ao Planalto, à opinião pública. Mas que sejam transmitidas de forma clara. Que isso comece “hic et nunc” (aqui e agora) pois “ex nihilo nihil fit” (nada surge do nada).    

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