Lulie Macedo

Foi editora na Folha por 16 anos e é sócia da consultoria de cultura urbana Rolê

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Lulie Macedo
Descrição de chapéu Copa do Mundo

'O bagui virô'

Eita Copa maravilhosa para virar tudo do avesso, não é mesmo?

São Paulo

Comecemos explicando o título maloqueiro de baixíssimo nível intelectual e linguístico. Trata-se de uma música de um rapper de Fortaleza, chamado Nego Gallo, e quer dizer exatamente o que você deve ter intuído: o bagulho (o negócio, o jogo) virou.

Agora passemos à pirraça de hoje. Eita Copa maravilhosa para virar tudo do avesso, não é mesmo?​

 

O mata-mata que começa hoje, por exemplo. Não precisa ser nenhum gênio da lâmpada para captar a manifestação do imponderável nesta vida. Japão é o adversário da Bélgica, Suíça enfrenta a Suécia, Alemanha está fora, Argentina passou de raspão, Rússia e Croácia chegam bem na fita.

OK, alguém há de contrapor esse raciocínio (que, aliás, só poderia vir mesmo de quem não manja nada de futebol, rá!) recorrendo ao dogma supremo desse esporte tão cheio de matizes: "O futebol é aquela caixinha de surpresas, minha senhora, portanto o imponderável é uma constante". Verdade. Além desse argumento complexo e inconteste, há outro tão forte quanto: não existem mais favoritos absolutos, o futebol profissional tornou-se mais equilibrado etc e tal.

Aceito e concordo com os dois pontos, mas quero colocar um terceiro: o jogo também virou porque estamos perto da exaltação dos humilhados --excluídos, minorias, desacreditados. Eita Copa maravilhosa para trazer à tona "isso tudo que está aí".

Misoginia, machismo e sexismo: não passaram (e não passarão). Racismo, homofobia e xenofobia entre as torcidas: continuam passando, mas as multas (sim, uma mixórdia) mantêm o problema sob holofotes. A Copa que quebrou os bolões é também a que mais registrou gols contra na história dos mundiais. Ainda tivemos México derrotando a Alemanha, Japão pela primeira vez na história vencendo uma equipe sul-americana, Islândia empatando com a Argentina --e ainda faltam 15 dias.

Mas dessa bela lista de inversões a melhor talvez venha da França. Dos 23 jogadores que o técnico Didier Deschamps levou à Rússia, oito começaram suas histórias nos "banlieues", algo como "quebrada" para os franceses, comunidades que abrigam pessoas não brancas, em geral associadas a vandalismo, crime e terrorismo.

Nada muito distante da história dos jogadores brasileiros, e é exatamente por essa nossa familiaridade com a inversão que poderíamos aproveitar esta Copa do 'baguio virado' para absorver as "novidades". Mais mulheres falando sobre futebol, menos chauvinistas protegidos na penumbra, intolerância ao racismo e à homofobia e o verbo da rua, a gíria, a linguagem da quebrada fazendo parte também das conversas no jornal.

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