Lygia Maria

Mestre em Jornalismo pela Universidade Federal de Santa Catarina e doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP.

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O som na praia do brasileiro cordial

Não respeitar o espaço alheio é traço nada admirável da nossa cultura

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A Prefeitura do Rio de Janeiro proibiu o uso de caixas de som nas praias. Comemorei. Ouvir música na praia é acabar com a beleza natural da paisagem, é como pichar a Capela Sistina, tocar matraca durante um concerto de Chopin. A decisão causou polêmica, muitos "DJs praianos" inconformados. Porém o que causou espanto foi a grita de alguns intelectuais de esquerda acusando o decreto e seus apoiadores de racismo e elitismo.

Movimento na praia de Ipanema, na zona sul do Rio de Janeiro, em fevereiro de 2022
Movimento na praia de Ipanema, na zona sul do Rio de Janeiro, em fevereiro de 2022 - Eduardo Anizelli - 28.fev2022/ Folhapress

O argumento é o mesmo da defesa das pichações (sim, acredite, há quem defenda): são expressões culturais de comunidades negras e pobres. Como se negros e pobres fossem os únicos a ouvirem música alta na praia e como se essa parcela da população adorasse pichações. Ou seja, para essa intelligentsia, negros e pobres não se preocupam sobre como suas ações afetam os outros —o básico de uma sociedade civilizada. Logo, racismo e elitismo em estado bruto.

Ora, os chamados playboys (jovens brancos de classe média/alta) também praticam poluição sonora. Os pobres são os que mais sofrem com pichação: são os mais atingidos (quanto mais pobre o bairro, mais pichação) e têm menos recursos para recuperar o patrimônio depredado.

Pichações e som alto na praia são expressões da cultura brasileira em geral, sem restrição de classe ou raça. O fundamento é a famosa cordialidade brasileira, descrita por Sérgio Buarque de Holanda (já que "cordial" vem de "cordis", "coração" em latim): uma insubordinação do indivíduo a objetos externos que contrariem suas afinidades emotivas. A praia é um espaço público, mas, para o brasileiro médio, isso significa que a praia é dele. Para o pichador, o muro não é do vizinho, é sua tela (apesar de não ter pagado um centavo por ela).

Claro que, na política, vemos práticas semelhantes: nepotismo, patrimonialismo, personalismo etc. Mas, se não defendemos esse comportamento do brasileiro cordial no Planalto, por que deveríamos defendê-lo na praia? Para sermos civilizados, não podemos afagar nossos barbarismos.

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