Uma juíza do estado de São Paulo rejeitou o pedido de acesso ao aborto a uma mulher grávida de um feto sem possibilidade de vida após o parto. O laudo médico atesta que o feto não possui rins, tem os pulmões comprometidos, e recomenda a interrupção por causa dos riscos gestacionais e para minimizar danos à saúde mental da mulher e dos familiares.
Não se sabe se a juíza acha que é possível viver sem rins, mas, em sua decisão hedionda, alegou que não há provas de que o feto não sentirá dor. Ela se refere à decisão do STF que autorizou o aborto em casos de anencefalia.
Sem cérebro, de fato, é impossível sentir dor, mas isso não é argumento válido. Se fosse, o aborto em casos de estupro não seria permitido. O que o legislador privilegia é a saúde física e mental de quem gesta.
O pano de fundo é a ideia reificadora de que o útero é um mero receptáculo que abriga um ser vivo autônomo. Não. Não somos vasos de plantas. Somos seres humanos que merecem ser tratados em nossa complexidade física e mental, como sujeitos, não como objetos.
No livro "O embrião é um ser vivo?", o filósofo francês Francis Kaplan mostra que não é o embrião que se desenvolve no útero, é o corpo da mãe que o desenvolve. O feto faz parte do corpo da mulher.
Claro que a argumentação de Kaplan pode não ser suficiente para apoiar a legalização indiscriminada da prática, mas, com certeza, expõe a falta de lógica e de humanidade no discurso que suporta a proibição em casos de estupro —inclusive de crianças—, de risco para a vida da gestante ou de impossibilidade de vida extrauterina.
O mais curioso, para não dizer absurdo, é ver pessoas de direita que apoiam a luta por liberdade das mulheres em países islâmicos (como ocorre atualmente no Irã) e que, ao mesmo tempo, não veem problema em obrigar uma mulher a gestar um natimorto ou uma criança a ter o filho do pai que a estuprou.
Não há ideologia, política ou religiosa, que justifique tratar mulheres com tamanha indignidade.
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