As mulheres já nascem com instinto materno, eles disseram. É só colocar uma boneca na mão de uma menina e ela vai cuidar dela com todo carinho, eles disseram. Eu não sou mãe, mas não venha me dizer que eu não tenho lugar de fala para debater o assunto, pois eu estava lá. Eu era a boneca.
Durante quase três anos, fui a "filha" da autora desta coluna. Prazer, me chamo Natasha. Dedico esse relato àquelas que, assim como eu, são vítimas dessa falácia que submete bonecas indefesas aos caprichos de meninas completamente despreparadas para a maternidade.
Meu modelo era um item cobiçado nos anos 1990, capaz de comer uma papa sintética e fazer cocô na fraldinha. O sonho de toda menina de seis anos, eles disseram. Na minha primeira noite em casa, minha mãe já havia enfiado todo o estoque de sachês na minha goela, como se estivesse preparando foie gras. Na semana seguinte, ela me deu miojo com feijão, provocando a falência múltipla do meu sistema digestivo.
Com a retirada das minhas baterias, agora eu também podia ir à praia. Ser mãe é padecer no paraíso, eles disseram. A minha, no caso, gostava de me enterrar na areia e prestar suas últimas homenagens em velórios ensolarados. Superada a claustrofobia, esses eram um dos poucos momentos em que eu me sentia verdadeiramente amada. E torcia para que ela me esquecesse ali, na paz eterna da minha cova.
Arrastando meu corpo de plástico maciço para lá e para cá, mamãe não demorou a perceber que tinha em mãos uma arma branca. O play virou um campo de batalha do qual eu nunca sabia se voltaria inteira. O menino que ela gostava era seu alvo preferido. Não é que meu "papai" tinha um crânio duro feito mármore? Não me surpreenderia se me contassem que esse garoto desenvolveu problemas cognitivos.
Nada mais forte que o laço materno, eles disseram. O nosso se desfez num piscar de olhos: foi impossível competir com um Nintendo 64.
Pelas minhas contas, a autora desta coluna, que me tirou da caixa com os olhos brilhando no dia do seu aniversário, acaba de fazer 32 anos. Provavelmente vem recebendo indiretas em relação a um tal de reloginho biológico. Isso sim é alarmante. Se um dia eu a reencontrasse, meu conselho seria o oposto: use camisinha.
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