O ano é 2220 e a humanidade resiste feito uma barata radioativa.
Na sala de aula, professora e alunos vestem seus óculos de realidade virtual. É dia de passeio e as crianças estão agitadas. Em um piscar de olhos, já estão dentro do Museu de Antropologia, esbarrando sem querer umas nas outras, quando um vulto estranhamente familiar chama a atenção de todos.
O grupo cerca uma representação tridimensional do Homo brancus heterus conservadoris, uma espécie extinta há relativamente pouco tempo.
Ele encara a aglomeração de visitantes com seus olhos vazios de computação gráfica. Tem um quê de mal-ajambrado, talvez o terno desalinhado nos ombros, a veia pulando na testa, os óculos ligeiramente tortos. Mesmo com um revolver enfiado no coldre, não parece representar ameaça. Mas nem sempre foi assim, explica a professora. Essa espécie foi um dos maiores inimigos à vida na Terra já catalogados.
O H. brancus heterus conservadoris ocupou espaços de poder e exerceu sua influência sobre os mais vulneráveis durante centenas de anos. Eles atacavam o pensamento livre e defendiam o livre mercado. Seu projeto de destruição tinha como alvo o meio ambiente, a ciência, a arte, a cultura, a sexualidade e qualquer outro ser humano que não fosse igual a eles.
Os alunos se aproximam do mostruário com ferramentas e acessórios utilizados no apogeu da espécie.
Celulares do tamanho de uma raquete de pingue-pongue, espetos de churrasco, uma bandeira puída do Brasil, uma caneca rachada com os dizeres “I love NY”, pistolas e projéteis enferrujados, a Bíblia Sagrada.
É claro que nem todo espécime era exatamente assim. Havia exceções. Geralmente, aqueles que fugiam à regra acabavam se engajando na campanha contra a generalização #NemTodoHomo. Era mais fácil limpar a própria imagem do que as cagadas feitas por seus “bróders”.
Foi a primeira vez que a escala evolutiva do homem deu um passo conhecido como “moonwalk”. O H. conservadoris abriu mão do conhecimento adquirido ao longo de milhares de anos, disseminou boatos, se perdeu em expedições até a “borda” da Terra e declarou guerras inúteis, até a seleção natural finalmente fazer a sua parte.
As crianças partem para a próxima atração, ávidas para conhecer a evolução daquela espécie: o também extinto Homo pseudo desconstruides.
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