Manuela Cantuária

Roteirista e escritora, é criadora da série 'As Seguidoras' e trabalha com desenvolvimento de projetos audiovisuais

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Manuela Cantuária
Descrição de chapéu
Coronavírus

Ficar em casa por dias sendo consumida pela paranoia é minha especialidade

Se não fosse pelos 'pandememes', eu já teria enlouquecido

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Dia um: Li que uma das táticas dos chineses para atravessar o período de isolamento era escrever um diário. Bom, cá estamos. Preciso confessar uma coisa. Ficar em casa por dias a fio sendo consumida pela paranoia é minha especialidade há anos, então acho que vou tirar essa quarentena de letra.

Dia dois: Se não fosse pelos “pandememes”, eu já teria enlouquecido.

Dia três: Fui ao supermercado e fiquei surpresa com o movimento na rua. Idosos, aos bandos, circulavam livremente, quebrando regras, rindo na cara do perigo. Talvez não tenham uma rede de apoio que faça suas compras, talvez tenham ignorado o apelo de seus familiares, talvez tenham levado a sério as recomendações do presidente, vai saber.

A ilustração simula uma página de diário, onde está escrito em letra manuscrita: "Meu querido diário de quarentena, DIA 2, Se não fosse pelos "pandememes", eu já teria enlouquecido". Uma figura está colada embaixo do texto, na qual há uma escada cheia de pandas.
Silvis/Folhapress

Dia quatro: A Organização Mundial da Saúde poderia ter avisado que relacionamentos com mais de sete anos em quarentena são pacientes de alto risco. Muito se fala sobre o colapso do sistema de saúde, mas, ao fim do isolamento, a vara da Família também vai sentir o impacto do coronavírus com a quantidade de separações.

Dia cinco: Convencida de que o vizinho de cima estava dando uma festa, fui até lá disposta a achatar a curva da cara dele. Mas o rapaz só estava mudando a arrumação dos móveis ouvindo DJ Alok nas alturas.

Dia seis: Quando acho que estou perdendo a noção da realidade, penso em Jair Bolsonaro. Não que isso me deixe mais calma. Eu nunca vou perdoar o presidente pela campanha natimorta #OBrasilNãoPodeParar e por fazer o Witzel e o Doria parecerem fadas sensatas.

Dia sete: Estou rouca. Não sei se é Covid-19 ou se gritei muito ontem durante o panelaço contra o governo. Nessas horas eu só queria estar confinada com o Drauzio Varella.

Dia oito: Há um mês estávamos nas ruas, aglomerados, purpurinados, suados e seminus, sem temer perdigoto algum. Parece que foi no século passado. Aquela música do Chico, “Vai Passar”, não me sai da cabeça. “E um dia, afinal, tinham direito a uma alegria fugaz, uma ofegante epidemia, que se chamava Carnaval...”

Dia nove: Pode ser o tédio falando, mas eu adoraria que uma carreata contra a quarentena passasse na minha rua só para desovar parte do meu estoque de ovos caipiras em uma Tucson.

Dia dez: Ser testemunha ocular da história é bem mais estressante do que eu imaginava. Só espero que na semana que vem a gente ainda consiga rir dos “pandememes”.

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